Quando o Pulcherio entrou para o serviço do dr. Borges Bastos, com as funções de "chaffeur" viu, logo, que, mais cedo, ou mais tarde, ficaria comprometido: a Maria Luíza, mulata escura, cria da casa, era uma verdadeira tentação, com aquele corpo coleante e, sobretudo, com aquele colo atrevido, que era um desafio permanente à instintiva brutalidade dos homens.

Maria Luíza sabia o valor desses atributos, e procurava, sempre, pô-los em destaque. E tanto sabia, que, à tarde, antes do doutor voltar para casa, no automóvel, desabotoava o corpilho, atirava-o para o canto, deixando que o busto se manifestasse livre, farto, opulento, balouçando sob a camisinha leve, que tinha, por cima, a blusinha de cassa ordinária.

Tentado por aquele diabrete de chocolate, o Pulchério foi, pouco a pouco, tomando certos atrevimentos. E tais foram estes, que, uma tarde, ao entrar na cozinha, onde o "chaffeur" e a Maria Luíza conversavam debruçados numa janela, mme. Borges não se conteve, gritando:

— "Seu" insolente! Ponha-se já daqui para fora! Já!...

Que teria sido? Que indignidade estava praticando o rapaz, para ser expulso de modo tão peremptório? Ninguém sabe. O que é certo, porém, é que, um mês depois, Maria Luíza recebia uma carta, que dizia assim:

"Minha querida. — Vou embarcar para o norte, como taifeiro de um vapor do Lloyd. A vida do "chaffeur" é mais rendosa, mas me é impossível continuar nela, por tua causa. Pois eu não posso apertar a buzina do carro, Maria Luíza, sem lembrar-me de ti, dos agrados que te fazia, das horas que passávamos juntos. Adeus, até a volta. — Pulchério".

Ao receber essa carta, a cafusa apertou-a de encontro ao coração. E foi ao fazer esse gesto, que ela compreendeu, coitada! O que deveriam ser as saudades do Pulchério, ao apertar, longe dela, a buzina do automóvel.