Um dia assentou Luís Bastinhos que era vergonha dilatar por mais tempo a declaração de seus afetos; urgia clarear a situação. Ou era amado ou não; no primeiro caso, o silêncio era tolice: no segundo a tolice era a assiduidade. Tal foi a reflexão do namorado; tal foi a sua resolução.

A ocasião era na verdade propícia. O pai ia passar a noite fora; a moça ficara com uma tia surda e sonolenta. Era o sol de Austerlitz; o nosso Bonaparte preparou a sua melhor tática. A fortuna deu-lhe até um grande auxiliar na própria moça, que estava triste; a tristeza podia dispor o coração a sentimentos benévolos, principalmente quando outro coração lhe dissesse que não duvidava beber na mesma taça da melancolia. Esta foi a primeira reflexão de Luís Bastinhos; a segunda foi diferente.

— Por que estará ela triste? perguntou ele a si mesmo.

E eis o dente do ciúme a trincar-lhe o coração, e o sangue a esfriar-lhe nas veias, e uma nuvem a cobrir-lhe os olhos. Não era para menos o caso. Ninguém adivinharia nessa moça quieta e sombria, sentada a um canto do sofá, a ler as páginas de um romance, ninguém adivinharia nela a borboleta ágil e volúvel de todos os dias. Alguma coisa devia ser; talvez a mordesse algum besouro. E esse besouro não era decerto o Luís Bastinhos; foi o que este pensou e foi o que o entristeceu.

Marcelina ergueu os ombros.

— Alguma coisa que a incomoda, continuou ele.

Um silêncio.

— Não?

— Talvez.

— Pois bem, disse Luís Bastinhos com calor e animado por aquela meia confidência; pois bem, diga-me tudo, eu saberei ouvi-la e terei palavras de consolação para as suas dores.

Marcelina olhou um pouco espantada para ele, mas a tristeza dominou outra vez e deixou-se estar calada alguns instantes: finalmente pôs-lhe a mão no braço, e disse que lhe agradecia muito o interesse que mostrava, mas que o motivo de tristeza era-o só para ela e não valia a pena contá-lo. Como Luís Bastinhos teimasse para saber o que era, contou a moça que lhe morrera, nessa manhã, o mico.

Luís Bastinhos respirou à larga. Um mico! um simples mico! Era pueril o objeto, mas para quem o esperava terrível, antes assim. Ele entregou-se depois a toda a sorte de considerações próprias do caso, disse-lhe que não valia o bicho a pureza dos belos olhos da moça; e daí a escorregar uma insinuação de amor era um quase nada. Ia a fazê-lo: chegou o major.

Oito dias depois houve em casa do major um sarau, — “uma brincadeira” como disse o próprio major. Luís Bastinhos foi; estava porém arrufado com a moça: deixou-se ficar a um canto; não se falaram durante a noite inteira.

— Marcelina, disse-lhe no dia seguinte o pai; acho que tratas às vezes mal o Bastinhos. Um homem que te salvou da morte.

— Que morte?

— Da morte na Praia do Flamengo.

— Mas, papai, se a gente fosse a morrer de amores por todas as pessoas que nos salvam da morte...

— Mas quem te fala nisso? digo que o tratas mal às vezes...

— Às vezes, é possível.

— Mas por quê? ele parece-me um bom rapaz.

Nada mais lhe respondendo a filha, entrou o major a bater com a ponta do pé no chão, um pouco enfadado. Um pouco? talvez muito. Marcelina destruía-lhe as esperanças, reduzia-lhe a nada o projeto que ele acalentava desde algum tempo, — que era casar os dois; — casá-los ou uni-los pelos “doces laços do himeneu”, que todas foram as suas próprias expressões mentais. E vai a moça e destrói-lho. O major sentia-se velho, podia morrer, e quisera deixar a filha casada e bem casada. Onde achar melhor marido que o Luís Bastinhos?

— Uma pérola, dizia ele a si mesmo.

E enquanto ele ia forjando e desforjando esses projetos, Marcelina suspirava consigo mesma, e sem saber por que; mas suspirava. Também esta pensava na conveniência de casar e casar bem; mas nenhum homem lhe abrira deveras o coração. Quem sabe se a fechadura não servia a nenhuma chave? Quem teria a verdadeira chave do coração de Marcelina? Ela chegou a supor que fosse um bacharel da vizinhança, mas esse casou dentro de algum tempo; depois desconfiara que a chave estivesse em poder de um oficial de marinha. Erro: o oficial não trazia chave consigo. Assim andou de ilusão em ilusão, e chegou à mesma tristeza do pai. Era fácil acabar com ela: era casar com o Bastinhos. Mas se o Bastinhos, o circunspecto, o melancólico, o taciturno Bastinhos não tinha a chave! Equivalia a recebê-lo à porta sem lhe dar entrada no coração.