Quando pela manhã cedo o conde Argimiro, do seu balcão principal, ordenava que levassem o corpo da condessa a um mosteiro de donas, que ele fundara para aí ter seu moimento, ele e os de sua casa, e dizia aos homens de armas que arrastassem o cadáver de Astrigildo e o despenhassem de um grande barrocal abaixo, viu um onagro silvestre deitado a um canto do pátio.

"Um onagro assim manso é coisa que nunca vi — disse ele ao vílico, que estava ali ao pé. — Como veio aqui este onagro?"

O vílico ia a responder, quando se ouviu uma voz: dir-se-ia que era o ar que falava.

"Foi nele que veio Astrigildo: será ele que o levará. Por ti ficaram órfãos os filhinhos do onagro, mas por via do onagro ficaste, oh conde, desonrado. Foste cru com as pobres feras: Deus acaba de vingá-las."

"Misericórdia!" — bradou Argimiro, porque naquele momento se lembrou da maldita caçada.

Neste comenos os homens do conde saíam com o cadáver sangrento do mancebo: o onagro, apenas o viu, saltou como um leão no meio da turba, que fez fugir, e, travando do morto com os dentes, arrastou-o para fora do castelo, e, como se tivesse em si uma legião de demônios, foi precipitar-se com ele do barrocal abaixo.

Era por isso que o conde ia cingido de corda e descalço, após os frades e a tumba. Queria fazer penitência no mosteiro por haver quebrado o juramento que tinha feito a seu pai.

As almas da condessa e do gardingo caíram de chofre no inferno, por terem deixado a vida em adultério, que é pecado mortal.

Desde esse tempo as duas miseráveis almas têm aparecido a muita gente nos desvios da Biscaia: ela vestida de branco e vermelho, assentada nas penhas, cantando lindas toadas: ele retouçando aí perto, na figure de um onagro.

Tal foi a história que o velho abade contou a meu pai, e que ele me relatou a mim, antes de ir cumprir sua penitência nessa guerra de mouros que lhe foi tão fatal.

Assim concluiu Inigo Guerra. Brearte, o pagem Brearte, sentia os cabelos arrepiarem-se-lhe. Por largo tempo ficou imóvel defronte de seu senhor: ambos eles em silêncio. O moço rico-homem não podia engolir bocado.

Tirou por fim da escarcela a carta de D. Diogo para a tornar a ler. As misérias e lástimas que o rico-homem aí recontava eram tais, que D. Inigo sentiu o pranto gotejar-lhe abundante pelas faces abaixo. Então ergueu-se da mesa para se ir deitar. Nem o barão nem o pagem pregaram olho toda a noite; este de medroso, aquele de desconsolado.

E nos ouvidos de Inigo Guerra soavam contínuo as palavras de Brearte: "Por que não ides à serra procurar vossa mãe?" — Só por encantamento seria, de feito, possível tirar das unhas dos mouros o nobre senhor da Biscaia.

Rompeu, finalmente, a alvorada.