Adeus
 
Ao meu caro pai
 

Tanto se sente na morte,
Quanto na auzencia se sente !..
Se a morte é auzencia eterna,
A auzencia é morte aparente.

Julia Castilho.


Adeus dias que breves passasteis,
Semeados de paz e ventura,
E tão cheios de meiga ternura,
Que no ceu eu julgava viver!
As caricias do pai eu gosava,
Seu amôr minha dita fazia,
A tal ponto, que até me esquecia
A longa auzencia que eu tinha a soffrer!!

Mas em breve esse dia fatal,
Repassado de triste afflição,
Appareceu, e no meu coração
Da saudade os espinhos cravou!
E tão fundos que o sangue gôteja,
E em prantos de fél convertido,
Faz trocar o prazer em gemido;
A ventura em soffrer transmudece.

E depois esta ausencia tão longa,
N'um escuro sodario envolvida,
Martyriza, apoquenta-me a vida,
Faz os dias em seculos trocar?
E qual phantasma de dor me apparece
N'estas noites que lentas se arrastam,
E nos dias tão tristes que passa,
Sem que eu possa o meu pae abraçar.

Ha de o sôpro tão triste do outomno
Congelar-se nos montes d'alem;
Ha de vir o inverno tambem
Com seu septro de ferro assentar-se
Sobre as minas que o outomno deixou!
Ha de o vento bramir furioso;
Mas depois d'este tempo horroroso
Tornará a natura a animar-se.

Findará o outomno, o inverno,
Ha de a quadra florenta findar,
Sem que o peito me venha animar
Um afago de pai adorado!!
Trocar-se-hão os espinhos em flores,
Ha de tudo contente sorrir
Sem que eu possa no peito sentir
Meu soffrer n'um sorriso trocado!

Estes bosques d'onde ora prendem
Pobres folhas perdidas da côr,
Tornaram a ter vicio e verdor,
Sem que tu, ó meu pai extremoso,
Ó lar patrio de novo regresses!...
E eu hei de esta auzencia soffrer?
Ha de o pranto amargoso correr
Sem que chegue esse tempo ditoso?

Mas no fim de tão longo soffrer,
Refulgente reluz uma esperança;
Como surge tambem a herança
Após dias de horrenda procella...
Como as ondas espomosas se acalmam
Ó depois de fermento agitar,
Tal meu peito se deixa affagar
Pela esperança risonha e tão bella.

Ante a luz que essa esp'rança difunde,
Ante esse astro de amago condão
Inda ha pranto, martyrio, afflicção,
Inda ha lento viver d'amargura!...
Mas depois de passada essa nuvem
Ha de a esperança brilhante apparecer,

Já sem veu que lhe possa envolver
As suas raias de immensa ventura.

Eia pois, ó meu peito, coragem;
Não te deixes assim succumbir,
Cessa ó lyra tambem de carpir,
Meu soffrer pela auzencia causado:
Calla as dores que o meu peito torturam,
Vê se podes meu pranto occultar.
P'ra podermos melhor offertar
Este adeus ó meu pai adorado.