XII
Alvitres de Carolina

Logo que Carolina ficou só com a menina, disse-lhe com o seu modo doutoral, que tinha muita pena de dizer-lhe que não era possivel que ella tornasse a ficar só em casa; e uma vez que não queria ir trabalhar fóra com ella, não tinha remedio senão acceitar o offerecimento da snr.a D. Ermelinda, d'ir viver em sua casa. Maria Isabel poz-se a chorar.

― O que lhe digo é para seu bem, snr.a D. Maria Isabel. Dão-lhe flatos quando está só, e isso não é bom para a saude; uma menina doente e pobre, não acha marido. Os flatos só os podem ter as pessoas ricas. Os homens não querem mulher achacada, se não tem chelpa.

― Eu não quero casar, snr.a Carolina.

― Pois não deve querer outra coisa. O casamento é o desembargo do paço das raparigas. E não é preciso ter só saude para achas marido, tambem é preciso ter boa fama, e v. s.a desacredita-se na minha casa.

A donzella estremeceu. Olhou, córando, para Carolina, cessando de trabalhar; e cobriu o rosto com pasmo e confusão. A lembrança da visita de Maximino a perturbava.

― Sim, senhora D. Maria Isabel, perde a sua boa fama aqui. Saio para o meu modo de vida, e v. s.a fica só. Vem meu filho, vem o visinho Alfredo, e virão outros, estar aqui á palestra.. Isto não é bonito.

― Posso fechar a porta a todos, menos a seu filho. Diga-lhe a snr.a Carolina que não suba quando eu estiver só.

― O melhor, menina, é ir para casa da sr.a D. Ermelinda. Lá estava melhor, e mais honradamente.

A triste menina cobriu o rosto banhado de pranto e balbuciou:

― Irei para onde quizerem.. O' minha mãe!.. minha mãe!..

― Valha-a Nossa Senhora dos Remedios!.. Não chore assim! As lagrimas não dão vida a ninguem. Se eu tivesse estragado a vista assim a chorar pelos meus defuntos, bem aviada estaria agora! Meu filho, valha a verdade, da-me quanto póde; mas não quero fazer-lhe muitas despesas, porque a sua soldada não é grande, e são rapazes... gostam de tafular e de fazer a sua franciscanada de tempos em quando. E mais dia, menos dia, casa: e agora o verás!.. Eu bem sei o que são nóras!

― E eu tenho feito muitas despesas ao snr. Francisco... Muitas vezes pensava n'isto; mas... Irei para casa da viuva de meu tio até achar uma casa que me queira por mestra... ou mesmo por creada.

― Isso não. Estará muito bem em casa da snr.a D. Ermelinda, que é uma senhora ás direitas!.. Deve ir hoje mesmo para lá. Se meu filho o sabe antes, ha-de dizer que não, e que não. Elle não chora o que gasta com v. s.a. Não é por ser meu filho, mas é liberal uma vez!.. Ainda que se empenhe até ás orelhas, não ha de confessar fraqueza. «Mais facil será, dizia elle antes d'hontem, que eu deixe o meu cachimbo, e beba só agua, do que deixar faltar nada a esta triste senhora.»

― Que bondoso coração! que excellente alma!.. Devo poupar-lhe novos gastos comigo. Vejo que por ora não posso trabalhar. Não sei senão chorar. Mas queria despedir-me d'elle, e agradecer-lhe...

― Deixe-se d'isso. Elle é teimoso o preciso! Quereria obrigal-a a ficar. Quiz-me comer hontem por eu lhe fallar no offerecimento da snr.a D. Ermelinda. Chamou-lhe bruxa, feiticeira, carcassa do brasabú. Não tenho medo da sua agonia. Não sou uma mãe maricas; mas elle é capas de descompôra snr.a D. Ermelinda, e ella agoniar-se-ha, e adeus minhas encommendas! Ficava v. s.a como o parvo na ponte.

― Pois estou por tudo. Irei quando quizer; e dirá depois a seu filho, que a minha gratidão será eterna.

― Quando vinha para cá, encontrei a sr.a D. Ermelinda. Disse-me que viria perto da noite buscal-a. Ella parece temer meu filho, que lhe mostra má cara, quando a vê. Elle ás vezes parece aluado! Diz que a snr.a D. Ermelinda é fidalga feita á pressa!.. E não sei onde elle foi buscar aquillo. A snr.a D. Ermelinda é fidalga nos quatro costados. Quando falla nas suas amigas, é baroneza d'aqui, marqueza d'acolá!.. V. s.a ha-de divertir-se muito em casa d'ella.

― Ah! não estou para divertimentos!..

― Pois faz mal. Deve espairecer. As tristezas não servem para maldita coisa. Esta a bater na escada. Será talvez uma pessoa que lhe há-de trazer vestido e chapeu de luto, que a snr.a D. Ermelinda lhe manda. E dizer meu filho que é fidalga feita á pressa!

Era na verdade, vestido, mantelete e chapeu de luto. Tudo simples, mas bom.

Perto da noite, foi Ermelinda buscar a sua joven parenta. Costumára ir a casa de Carolina a pé; mas n'aquelle dia ia n'uma carruagem de aluguer. Não tinha trem; mas havia de tel-o, dizia ella, muito breve. Não tinha ainda tido tempo de cuidar d'isso.

A filha de Ricardo d'Oliveira despediu-se de Carolina, chorando. Seguia com repugnancia a viuva de seu tio. Carolina ficou tambem com as lagrimas nos olhos e murmurou comsigo mesmo:

― Ella estará muito melhor na casa d'aquella boa fidalga, e eu poderei andar na minha vida sem estar com o coração cançado. Eram flatos d'aqui, choros d'acolá... E esta rapaziada a rondar-me a porta!.. A mulher do funileiro disse-me que ainda esta manã subiu cá a riba um taful, que vinha muitas vezes com meu filho até á porta!.. Nada!.. Isto assim não tinha geito. A minha casa nunca foi casa de namoros. Mas não sei o que me está dizendo cá dentro, que fiz mal!. Queria ser bem rica, para a ter em casa e poder esdtar com ella para guardal-a.