XXII

O remanso

Tinha começado para a filha da infeliz D. Maria Carlota uma época de paz e consolação. Amava e era amada pela alegre e folgazã irmã de Maximino; era tractada com desvello e carinho por Adelaide, e com amor paternal pelo ancião. Via pouco Maximino, mas vivia debaixo do mesmo tecto que elle, e isto lhe dava satisfação. O mancebo mostrava-lhe muito respeito, e tractava-a com delicadas attenções, mas fugiu de encontral-a quando alguns de seus paes não estava presente.

Rufina queixava-se muita vez da mudança que via em seu irmão, que se tornára, dizia ela, muito arisco.

Abraçava-o ás vezes, dizendo:

― Que mal te fiz? Já não és meu amigo? Não ris, nem brincas, e é preciso um gancho para te arrancar as fallas! E então como foges de nós!... Um dia tens d'estudar lição d'isto, outro, d'aquillo, agora vais á aula, logo vais á bibliotheca... ninguem te pilha um moment. Ainda o pae agora é muito mais dado com a gente.

― Minha querida Rufina ― respondeu elle beijando-a, os meus estudos são agora muitos. O tempo de folgar já lá vai. Tens a companhia d'uma amiga, para te consolar da falta da minha.

― Esse favor, replicava a menina, não t'o agradeço, mas sim ao pae e á mãe.

Quando haviam estas contendazinhas amigaveis Maria Isabel suspirava em segredo pensando:

― Por minha causa é que Maximino foge de sua irmã, e se afasta de toda a familia! a infelicidade me acompanha sempre de alguma maneira.

Para não ser inutil á familia bemfazeja que a protegia, trabalhava a orphã todo o dia e parte da noite. Adelaide e Rufina queriam de balde impedil-a de trabalhar tanto. Ella pediu que a não estorvassem de occupar assim o seu tempo, protestando que o trabalho a distraia. E era assim. Começou as suas tarefas para pagar uma divida, e acabou por achar alivio aos seus pesares com as ocupações de todas as horas e instantes.

― Tens razão, minha filha, lhe dizia Custodio da Cunha. Se o trabalho é uma maldição pelo peccado de Adão, tambem é uma benção dada por Deus para alivio das mesmas penas que o peccado nos legou. Mas o descanso, menina, é tambem preciso. Quando Rufina chega á janella no fim da tarde, vá tambem tomar ar.

― Oh! não, não! replicava ella. Tenho vergonha de me mostrar... Pesa sobre mim a ignominia de meu desgraçado pae!...

E derramando lagrimas continuava:

― Quanto me custa soffrer as vistas desdenhosas dos conhecidos que encontro quando vou á missa!... Felizmente a senhora D. Adelaide gosta de ir á missa cedo.

― E é muito mau gosto, acudia Rufina, tanto porque assim o sentia, como por distrair a amiga. A missa tarde é muito mais commoda e divertida.

― Tua mãe tem razão, tem razão, estouvadinha, tornava a ancião. Não se vai á missa por divertimento. O passatempo procura-se nos passeios, ou nos theatros e assembleaas. Quando a minha filha Maria se resolver a sahir, hei-de alugar camarote para verem a companhia, que dizem não é má.

― Ah, snr. Cunha, saiam quando quizerem, e deixem-me em casa. O socego que aqui goso, é a unica alegria que posso ter na vida. Não terei nunca cara de apparece em publico.

― Não diga isso... Porque se ha de occultar? Por ser infeliz? Olhe que até pouca gente se lembra já das suas infelicidades; e, os que pensam n'ellas, lamentam a miseria e a elogiam. Quando minha mulher fôr a casa d'alguma amiga, não ateimo em ficar em casa.

Maria Isabel porém teimava sempre n'isto.

― Rufina lucrára muito com a intimidade da sua nova amiga. A educação da filha de Ricardo d'Oliveira tinha sido muito esmerada. O dinheiro que ella gastou n'essa educação, foi o unico bem empregado: foi a unica sementeira d'ouro, que fez aquelle homem prodigo, abençoada, e que deu bom fructo. Maria Isabel era tanto a irmã, amiga e companheira da filha de Adelaide, como a sua mestra. Aperfeiçoava-a nos bordados, na musica e no francez. Custodio da Cunha dizia a sua mulher:

― Cuidavamos que faziamos uma obra de caridade e fizemos um bom negocio.

E Maximino porta-se muito bem.

― Sim, porta; mas... receio que esteja apaixonado por Maria. A mesma reserva que tem com ella, faz-me pensar isso.

― Ora!... E, se estivesse, antes por Maria do que por outra qualquer. Tem-me enfeitiçado.

― Os seus merecimentos e maneiras enfeitiçam quantos a tractam.