XXVII

Após o desgosto uma esperança

Era uma hora da noite quando a familia de Custodio da Cunha chegou do theatro.

André lhes abriu a porta, mas tão atordoado com somno, ao que mostrava, que Maximino ficou para correr os ferrolhos, e levar a chave, como era costume, para o quarto de seu pae.

Quando as senhoras chegaram acima ficaram algum tanto admiradas de verem Rosa ainda a pé, e de lhes não vir ao encontro a orphã. Esta costumava obrigar a creada a deitar-se quando os amos tardavam; mas ella nunca se deitava.

― A senhora D. Maria não está boa? pergnntou Adelaide.

― Ah! replicou a creada, a senhora não sabe o que cá foi!...

― Pois que succedeu?!

Rosa narrou o facto.

― Minha boa Maria!... Como estarás triste! exclamou Rufina. E eu vinha tão contente!... O coração não é presago! Tenho remorso de me ter divertido tanto!

Despediu-se a menina pesarosa de seus paes e se recolheu ao seu quarto.

Custodio da Cunha e a sua mulher entraram nos seus aposentos. Ambos estavam cuidadosos e combinavam entre si o que no dia seguinte haviam de fazer para acharem Maria Isabel e os dois suppostos mal feridos.

Maximino entrou pallido, deixou-se cahir sobre a primeira cadeira que encontrou e disse em tom desesperado:

― Foi raptada por Amaral!

― Que loucura te veio á ideia, disse Custodio da Cunha. Amaral está em Braga ha tempos.

― Foi raptada por Amaral, repetiu o mancebo e André é connivente... Desconfiei do seu somno!... Estava aqui servindo de espião e traidor. Adivinhando que hoje tinha ensejo de nos roubar Maria, disse que já tinha amo, e que ámanhã nos deixaria. Ah!... eu parece que adivinhava!... Fui ao theatro com a mesma vontade com que iria ao patibulo! O pae não replicou e poz-se a passeiar.

― Não te afflijas assim, meu filho, disse Adelaide. Quando isso fosse verdade, o que é muito duvidoso, o que lucraria o roubador? Maria é uma menina de muito juizo, saberá evitar os perigos.

Maximino abraçou a sua mãe, que se lhe aproximára carinhosa, e disse angustiado:

― Ah! minha querida mãe! o coração me diz que a perdemos para sempre!

― O teu coração é um tonto, disse o ancião; o meu me diz que havemos de tel-a breve. E, tu se a amavas, porque m'o não tinhas dito? Não estudas para padre, podias casar com ella, e guardal-a a teu gosto. E's muito novo é verdade para te encarregares de uma familia; mas, se havias de ir namorar-te d'alguma rapariga que nos desagradasse, antes queria ver-te casado com a nossa Maria. Sê homem. As lagrimas e queixas são para as mulheres, que são fracas. Ficas sabendo que t'a dou por noiva. Não somos ricos, mas ainda havemos de ter pão para tua mulher e teus filhos. A'manhã procura a tua noiva, que eu procurarei a minha nora.

― Ah, meu excellente pae!... Então vou já a casa de Carolina saber...

― A esta hora?!... Não faças disparates. Não compromettas o credito de tua esposa. Não vás dizer a todo o encher que a roubaram de casa. São coisas que dão sempre que badalar. Deita-te, e levanta-te cedo. Se Carolina estiver em casa, já dorme ha muitas horas, e erguer-se-ha ao ser dia. Boas noites. Quero descançar.

Maximino não tinha remedio senão conformar-se com a vontade de seu pae, muito rasoavel. Beijou-lhe a mão com muita affeição, abraçou sua mãe com amor, e foi para o seu quarto. Não se deitou. Passou a noite a scismar, e a ir á janella a todos os momentos, para ver quando amanhecia. Apenas viu reluzir a manhã foi ao quarto de seu pae buscar a chave da porta. Achou-o já a vestir-se, pouco tinha dormido.