O consultório do jovem médico Barreto Lopes estava cheio, já, às quatro da tarde. Senhoras, moças, crianças, homens idosos, manuseavam revistas ou liam jornais, matando o tempo, antes que o tempo os matasse. E, a um canto, visivelmente nervoso, o coronel Ribeiro Moura, cujo bigodinho pintado, escorregando do nariz, denunciava, nele, um desses velhos mundanos que não sabem capitular diante do inimigo eterno e querem aproveitar, por isso, até a última gota, o vinho capitoso da vida.
Afastada a cortina que vela a grande porta do gabinete de consultas, o contínuo faz um sinal, e o militar atravessa o salão, rápido, escandaloso, como uma granada que fosse estourar, formidável, nos pés do especialista.
— Então, coronel, que é isso? como tem passado? — indaga Barreto Lopes, arregalando-lhe o lho, para examinar-lhe a esclerótica.
— Ah! doutor!... estou passando horrivelmente, hoje!... A cabeça estala-me... parece que vou morrer... que vou me acabar...
E com ambas as mãos no coração:
— E que dor!... que dor!...
Olhos agudos de quem conhece a aproximação das crises como o caçador pressente a caça que vem longe, o médico pôs-se de pé:
— Não se assuste, — pediu, — mas, o senhor vai ficar de cama alguns meses...
— Eu, doutor?
— Sim; o senhor, talvez daqui a duas horas, talvez já, vai ficar paralítico.
— Paralítico, doutor? — gritou o oficial, horrorizado. — Paralítico?
— Sim, mas será uma paralisia parcial, só do lado esquerdo...
— Do lado esquerdo, doutor?... O senhor disse do lado esquerdo? — exclamou Ribeiro Moura, numa aflição, como um homem que vai entrar, inesperadamente, em combate.
E a uma confirmação do especialista:
— Então, doutor, com licença... com licença... O senhor tem aqui algum lugar reservado?... tem?...
O médico indicou-lhe uma porta discreta. Momentos depois, o oficial reaparecia, corrigindo a roupa, o ar feliz.
— Estou pronto, doutor.
E sentando-se numa cadeira, risonho, acomodando a calça, um risinho canalha sob o bigodinho do Carlito:
— Agora, posso ficar paralítico do lado esquerdo...