A Julio Dantas
Gedulde Dich, stilles, hoffendes Herze! Was Dir im Leben versagt
ist, weil Du es nicht ertragen könntest, giebt Dir der Augenblick
Deines Todes.
Herder.
Da praia longinqua, na areia doirada,
O Cysne pensava, fitando a Alvorada:
— «Que immensa ventura, na minha mudez,
Se dado me fôsse cantar uma vez!»
— «Meu canto seria, na luz do arrebol,
Dos hymnos mais altos á gloria do Sol...»
Não é das gaivotas e gansos do lago
O canto que em sonhos ardentes afago;
É quando nos bosques as aves escuto
Que a inveja confrange minh'alma de luto.
Se a Aurora se lança do cume dos montes,
Até d'alegria murmuram as fontes;
Só eu, passeando o meu tedio supremo,
Nem rio, nem choro, nem canto, nem gemo.
Oh Sol, que já vejo surgindo do Mar,
Tem dó de quem, mudo, não pode cantar!»--
E o Cysne, em silencio, chorava, escutando
A orchestra das aves que passam em bando.
Das aguas rompia a quadriga d'Apollo,
E o pobre a cabeça escondia no collo...
Mas Phebo detem-se nas nuvens ao vê-lo,
Com feixes de raios no fulvo cabello,
E diz-lhe, sorrindo, n'um halo de fogo:
— «No Olympo sagrado ouviu-se o teu rogo...»--
E nesse momento a Lyra Sem Par,
Da mão luminosa deixou resvalar...
O Cysne, orgulhoso da graça divina,
Da Lyra d'Apollo as cordas afina,
E rompe cantando... Calaram-se as fontes,
Calaram-se as aves... As urzes dos montes
Tremiam de goso a ouvi-lo cantar...
E o vento sonhava na espuma do Mar.
O Cysne cantava, tirando da Lyra
Um hymno que nunca na terra se ouvira;
Não pára, nem sente, na sua emoção,
Que a vida lhe foge naquella canção.
Mas quando, entre nuvens, a tarde cahia
No enlevo do canto que a essa hora gemia,
E Apollo no seio de Thetis desceu,
O pobre do Cysne, cantando, morreu...
Gemeram as aves; choraram as fontes;
Torceu-se nas hastes a giesta dos montes,
E o mar soluçava na tarde sombria,
Que o manto de luto com astros tecia.
Sollicita espera-o, das aguas á beira,
Do Cysne, já morto, fiel companheira;
Espera que o Esposo de prompto regresse,
Mas treme e suspira, que a Noite já desce...
As aguas luzentes parecem-lhe, ao vê-las,
Um panno d'enterro picado d'estrellas.
Então, no seu luto, sentindo que morre,
Oceanos e praias distantes percorre;
Mergulha nas aguas, colleia nas ondas,
Espreita as galeras de velas redondas,
Que ao longe parece que vão a voar...
E o Cysne não volta, não pode voltar!
Chorosa viuva, nas aguas deslisa,
Levada na fresca salsugem da brisa...
No seu abondono nem sente canseira;
Caminha, caminha, fiel companheira,
Chorando o perdido, desfeito casal...
Tão funda era a mágoa, tão grande o seu mal,
Que o peito sentindo de dor estalar,
— De dor e d'angustia começa a cantar!
E canta com tanta ternura e paixão,
Que a Vida lhe foge naquella canção.
As aves despertam; calaram-se as fontes;
Nas hastes tremiam as urzes dos montes;
A Lua escutava; detinha-se a Aurora,
E as vagas gemiam no vento que chora...
Na terra, no espaço, nos astros, no ceu,
Mais alta harmonia ninguem concebeu;
E os Deuses recebem, ouvindo-a, a chorar,
A alma do Cysne que expira a cantar...
Desde esse momento, no Olympo onde entraram,
Em honra dos Cysnes que tanto se amaram,
Das almas que foram leaes e sinceras,
Se Venus se mostra, surgindo da bruma,
São elles que tiram, nas altas espheras,
A concha de nácar, cercada de espuma...