No pequeno gabinete de estudo, forrado de vermelho, com grandes pinceladas de ouro no alto, a linda mme. Valdez aguarda, as mãos mergulhadas n aloura cabeleira revolta, o seu professor de português. Alta e esguia, é um gracioso tipo de beleza moderna. Os olhos negros, denunciando o artifício dos cabelos dourados, são pequeninos e móveis. E debruçam-se, vivos, sobre as janelas das pálpebras, como para espiar, curiosos, as rosas da face, renovadas cada manhã. A boca pequena, tornada menor pelo gesto habitual de quem vai dar um beijo, sangra, ainda, a tinta do "baton". E tudo isso está concentrado diante do livro aberto, em que aqueles vinte e dois anos risonhos, os seios premidos contra a mesa, procuram absorver, uma a uma, as regras da boa linguagem. De repente, passos na sal contígua.

— Ah, professor! É o senhor?

E as duas mãos voam, nervosas e brancas, como duas pombas saudosas, para se refugiarem no ninho de outras mãos que as apertam, matando saudades.

Elegante e esbelto, o rapaz que acaba de entrar é um admirável tipo masculino. Quarenta anos, quase. Rosto longo, escanhoado, e olhos que dominam, prendem, subjugam. Traja com distinção, terno claro, gravata cinza, uma pérola como alfinete. Sentam-se, diante um do outro, na mesa redonda. A discípula fecha o livro, inquieta. E começa a lição.

— Conjugue, madame, o presente do indicativo do verbo amar.

E ela:

— Eu amo... tu amas... ele...

— Basta! Basta! — interrompe, visivelmente preocupado, o rapaz.

E levantando-se para olhar na porta:

— No verbo amar, madame, é necessário, sempre, muito cuidado...

E olhando, prudente, para um lado, e para outro, a ver se vem alguém:

— É preciso sempre muito cuidado com a "terceira pessoa"!...