Entramos para a casa das oficinas; porque o armênio não gostava de mostrar-se no armazém.
Vou dizer com inteira verdade o que ouvi e o que o bom velho meu amigo viu e me referiu miudamente tanto nesta ocasião, como à hora da meia-noite no gabinete misterioso,
Passados apenas alguns minutos o armênio apareceu.
Era um homem alto, magro e com os ossos muito salientes: trazia os cabelos crescidos, o rosto contraído, a face macilenta enegrecida pela fumaça; suas mãos enormes estavam empoeiradas, e seus dedos coroados por grandes unhas pareciam garras; vestia calças e blusa de pano vermelho.
— Que pretendem de mim? perguntou ele em português.
Não me animei a falar; o bom velho, meu amigo, também não ousou fazê-lo: foi o Reis quem falou por mim, expondo a minha Infelicidade, e a desesperada esperança que eu concebera.
O armênio se aproximou de mim, considerou-me durante alguns instantes, examinou-me os olhos, apalpou-me os ossos do crânio, e mostrando-se compadecido, disse:
— Não te quero mal, e o dia é mau; hoje é sábado, e os gênios sinistros predominam: escolhe outro dia, e eu te darei a vista.
O Reis fez um movimento denunciador da sua incredulidade.
O armênio encarou-o fixamente, e depois perguntou-lhe:
— Duvida sempre?
— Não duvido, tenho a certeza de que a sua magia não é impostura somente porque é lamentável mania.
O armênio desatou a rir; devia ser um rir medonho, porque foi longa e estridente gargalhada, e porque, segundo me disse o velho, ele não tinha um único dente.
— De que ri assim?... inquiriu o Reis.
— Do triunfo e do mal: duvidam do meu poder, e vou prová-lo: eis o triunfo; infiltrarei o ceticismo na alma de um inocente mancebo eis o mal.
Tive um ímpeto de coragem, avancei um passo e perguntei-lhe:
— Dar-me-ás a vista?...
— Sim, e mais penetrante do que a desejas.
— Como?
— A experiência te responderá.
— E tu por que não?...
— Que te importa?... já o disse: terás vista mais penetrante do que desejas e pensas; queres?
— Por que modo a terei?
— Dando-te eu uma luneta mágica.
— Quando?
— Hoje mesmo e amanhã, na hora em que acabará o dia de hoje para começar o dia de amanhã, à meia-noite;
— E o teu prêmio?
— Será a tua próxima convicção de que é melhor ser cego, do que ver demais.
— Aceito.
— É o mal.
— Aceito.
— É o gelo no coração!
— Aceito.
— E o ceticismo na vida!
— Aceito.
— Por que, criança?...
— Porque eu quero ver.
— Veras demais!
— Aceito.
— Volta à meia-noite.