A miopia moral, a ignorância completa do mal, a inocência conservaram-me até esta manhã franco, simples, sem uma nuvem de suspeita na alma, sem desconfiança dos outros, e com o coração aberto, transparente aos olhos de todos.
O conhecimento do mal vai operando em mim forçosa modificação de idéias e de sentimentos.
Já sei que é preciso fingir: já o sei; porque estou determinado a esconder de Américo, da tia Domingas, de Anica e de todos a principal virtude da minha luneta: direi que por meio dela distingo melhor, mas ainda imperfeitamente os objetos.
Vou portanto dissimular e enganar; primeira lição da ciência do mal que a visão do mal me está dando; primeiro passo no caminho tortuoso da desmoralização; mas inevitável; porque é preciso dissimular e enganar para defender-me de parentes desamorosos e pérfidos e para, cauteloso e seguro, realizar projetos que desde alguns minutos fervem no meu espírito exaltado pelos ressentimentos do coração.
Nas latas do mundo devo bater-me com armas iguais às daqueles que me hostilizam: dissimulação contra dissimulação, engano contra engano.
Em uma hora experimentei três desilusões que me envelheceram trinta anos! os gelos de três desenganos apagaram no meu seio é fogo santo de três afeições profundas, inocentes e puras.