Era dia, e eu estava lá cansado de refletir e de esperar.
Fraco, abatido e apreensivo, uma prolongada e grave meditação podia ter conseqüências funestas para mim; tive medo da exaltação do meu espírito mas para dominá-la, para arrancar-me a ela, eu precisava do uma distração poderosa.
Mas de que modo entreter-me, distrair-me no triste encerro do meu sótão; deitado no meu leito, e com guardas a dois passos?...
De que me havia de lembrar?.., da minha luneta mágica; foi uma lembrança muito natural.
Tanto tempo já tinha passado sem que eu gozasse o poder miraculoso desse tão perseguido vidrinho ótico!
Não pede conter-me; a que risco me expunha?... os meus guardas eram escravos da família e habituados a respeitar-me; eu estava certo de que eles não ousariam vir lutar comigo para me tirar com violência a luneta mágica.
Não hesitei.
Com o maior cuidado e sossego desatei a luneta mágica, que pouco antes atara prudentemente a uma de minhas pernas, e deitado, como estava, não tendo objeto de escolha ou de preferência em que a fitasse, fitei-a indiferentemente no teto da casa.
O sótão, onde eu tinha o meu aposento, era cômodo, porém multo modesto, conforme as regras de humildade da tia Domingas; o teto era de telha vã, e a casa já contava de existência meia dúzia de lustros.
O que a minha luneta me mostrou foi uma multidão de insetos muito comuns, e demasiadamente conhecidos de todos nós para que eu me ocupe em fazer a sua descrição, segundo os apreciei durante os três minutos da visão das aparências.
Chegada porém a visão do mal que imensa corte de demônios! Quanta maldade em corpos tão pequenos!