Vi uma pulga. A perversa estava cheia de sangue, talvez meu, com que se havia regalado, e atenta descansava em suas grandes patas posteriores pronta a dar o salto de ataque ou de retirada.

A pulga é a parasita sanguinária que vive à custa de muitos quadrúpedes e que não pouco persegue o homem.

Vive de beber sangue a atroz, e freqüentemente agrava a atrocidade, ultrajando o decoro com perseguição revoltante. Inimiga declarada do homem e da senhora, ousa devassar o leito da honestidade e do recato, morder sem piedade a menina, a donzela, a esposa, a matrona, que temerosas dão-se a mil cuidados e diligências para descobrir e apanhar a incômoda sanguinária antes de se deitarem.

No teatro a pulga não falta, no baile também salteia, e assalta, embora menos freqüente; às vezes vemos no teatro ou no baile uma elegante senhora, que parece preocupada, que indicia no rosto, e em leves movimentos contrafeitos achar-se de mau humor ou indisposta; debalde lhe perguntamos se sofre, ou se alguma coisa lhe falta: ela o não confessa; é porém uma pulga insolente, que aferrada entre os dois níveos pomos, ou abaixo de algum deles lhe sorve o sangue com atrito cruel.

A pulga é um demônio que faz inveja a muita gente sem generosidade.