Oito dias deixei-me clausurado em casa, maldizendo da minha infelicidade.
Eu tinha recebido da experiência uma grande lição; mas como quase sempre acontece ao homem, veio-me a lição da experiência, quando não podia mais aproveitar-me.
A Insaciabilidade do desejo para a causa determinante do meu maior infortúnio.
Pobre míope o que eu mais ambicionara, por muito tempo debalde, consegui enfim obter um dia, tive uma luneta potente que deu a meus olhos a vista penetrante da águia.
Alcançado beneficio tão grande, tesouro tão precioso, aquilo que se me afigurara impossível desejei mais!
Quis ter e gozar a visão do mal, a que o armênio sabiamente me aconselhara não expor-me, esclarecendo-me sobre os seus perigos.
Mas desejei e quis ter, e tive essa visão fatal, e por ela tornei-me o homem mais desgraçado.
Não me corrigi ainda assim, e desejei a visão do futuro que me fora proibida, sob pena de quebrar-se em minhas mãos a luneta mágica.
Desejei e quis ter a visão do futuro; mas antes de chegar a ela detestei a luneta que me inspirava horror de mim próprio, e em furioso ímpeto despedacei o vidro mágico, realizando-se desse modo a sentença do armênio.
E agora os meus olhos ficaram sem luz, estou tateando as trevas, e o desejo de gozar com a vista a natureza é mil vezes mais ardente, do que outrora; porque eu já vi, e já sei o que perco não vendo, como pude ver.
Ah! no outro tempo eu era como um cego de nascença, infeliz; ao menos porém não apreciando bastante a profundeza da minha miséria; agora eu sou o cego que já viu, que cegou depois de ter visto, e que sabe tudo quanto perdeu com a cegueira!...
Maldita seja a insaciabilidade do desejo, que envenena a vida do homem, e que mil vezes o leva a sacrificar imenso bem que está gozando pela ambição de mais gozos ainda, e do que não lhe era preciso para a felicidade da vida!
Eu já vivi no mundo da luz, e agora estou condenado, condenei-me a vegetar no cárcere das trevas.