Depois do oitavo dia da minha voluntária clausura despertei no seguinte ao canto de um cenário que festejava a aurora.

Levantei-me e fui debruçar-me a janela que abria para o jardim.

O frescor suave das auras, o perfume das flores, o ruidoso acordar da cidade lembraram-me aquele anelado amanhecer do dia, em que eu fizera a primeira experiência da minha luneta mágica; e as arrebatadores impressões que eu recebera, podendo ver, e admirando a aurora, as flores, as borboletas, a natureza enfim.

Os pesares, as sensações repugnantes, os tormentos e o horror da visão do mal como que se varriam da minha memória exclusivamente empenhada em avivar a saudade do bem que eu havia Perdido.

Apoderou-se de mim melancolia tão profunda e sombria como era profunda e sombria a noite dos meus olhos.

Passei um dia de silenciosa amargura, e arrependi-me mil vezes de haver quebrado a minha luneta mágica.

Se eu tivesse sido mais prudente, e ainda mesmo dissimulado, por certo que não me teriam faltado meios de iludir quantos me cercavam e cercam, e de conservar a preciosa luneta.

Agora é tarde, e o meu pungente arrependimento não me aproveita, e só duplica a aflição que me acabrunha.

A cada momento vinham-me à lembrança o Reis e o armênio, o Reis tão bom e amável, tão complacente e obsequiador; o armênio tão hábil e tão sábio; tão poderoso em magia, e tão leal em seus conselhos.

Lembrança inútil!

Eu havia sido tão descortês, tão ingrato em meu proceder em relação ao Reis, que me não era licito pensar em ir de novo bater à sua porta, que ele tinha o direito de me fechar no rosto.

E o armênio? Como poderia eu aparecer, mostrar-me diante dele depois da minha desobediência aos seus preceitos?...

E todavia eu teimava sempre em lembrar-me do Reis e do armênio. . .

E de instante a instante perguntava a mim mesmo, se o armênio ainda se conservava trabalhando nas oficinas do Reis...

A idéia de voltar ao famoso armazém de instrumentos óticos da Rua do Hospício, começava a perseguir-me, a dominar-me, como a paixão mais violenta escraviza, e move, impele e arrebata a sua vitima.

Dois únicos sentimentos ainda me tolhiam os passos: eram o vexame e o medo.