As três horas da tarde em ponto serviu-se o jantar na casa do velho Nunes.
Éramos quatro à mesa, ele e eu, sua mulher, a Sra. D. Eduvirges, e sua filha, D. Ana, a quem os pais chamavam familiarmente Nicota. Honrando com o mais bem merecido apetite o simples jantar de família que aliás era variado, excelente, e digno da apimentada cozinha brasileira, não me descuidei de fixar a minha luneta mágica sobre as duas senhoras.
D. Eduvirges ainda bonita, era o tipo da matrona do nosso pais; boa e afável, mas recatada e grave, media suas palavras, governava seus olhos, sabia ser a rainha da casa, porém obediente ao rei por teoria de educação e prática da vida. Virtuosa sem violência, honesta sem esforços, tranqüila e plácida, feliz em seu retiro doméstico era como harmonia musical prolongada, monótona; mas em todo caso harmonia.
Nicota contava vinte e três anos, era morena, bela, agradável, jubilosa, e tinha uns olhos negros, que me pareceram crateras de lavas apaixonadas. Eu nunca tinha visto olhos como esses, e, deve-se dizer, nos olhos e no sorrir é que está a flama da vida de um rosto de mulher. A visão do bem tornou-me patentes a alma e o coração de Nicota. Inocente, suave, meiga, nascida para obediência de seu pai e do esposo, que a amasse, educada no trabalho que moraliza, na economia que não dissipa; mas não impõe privações, modesta e religiosa, ingênua e simples, engraçada e espirituosa sem saber que o é, poética no falar sem afetação, com um olhar que é fogo, com uma voz que é música, com um sorrir que e feitiço, com sentimentos em que a candideza se identifica com o amor, Nicota fez-me esquecer durante o jantar a prima Anica e a Esmeralda.
Levantei-me da mesa do jantar embriagado, completamente embriagado não de vinho; mas de amor.
Se eu não tivesse contemplado com a minha luneta mágica Anica em quase todo o dia, a Esmeralda na noite que se haviam passado, creio que no fim do jantar, que o velho Nunes me dera, me curvaria ante esse amigo, pedindo-lhe a filha em casamento.
Em meu coração sensível já lutavam não duas, mas três imagens de moças queridas, a quem eu amava com paixão igual, e sem preferência possível.
Eram três flamas ardentíssimas a consumir-me, a devorar-me a alma perdida por qualquer dessas três criaturas encantadoras e privilegiadas.
Eu amava Anica...
Amava Esmeralda...
Amava Nicota...
A preferência, a escolha entre elas era impossível...
Eu sofria muito...