Eu escutara com respeitoso silêncio o armênio que, tendo descansado alguns momentos, disse-me:
— Resolvi dar-te hoje a mais preciosa, mas também a última das lunetas mágicas que de mim terás.
— Qual?...
— Aquela que te fará gozar a visão do bom senso.
— Oh! a visão da sabedoria...
— Quase.
— Serei feliz... perfeitamente feliz!
— Nem assim.
— Por quê?...
— Porque o homem é o homem.
— Não entendo.
— Porque ainda com o bom senso há ardendo na alma do homem uma flama insaciável, que torna impossível a felicidade perfeita.
— Que flama é essa?
— A do desejo— de desejo que tem mil sobrenomes — amor, glória, ambição, ouro, honras, luxo, gula, vingança .. e muito mais que eu não acabaria de dizer nem em duas horas.
— Ao menos porém a visão do bom senso não me tornará nem cético, nem ludibrio do mundo e dos homens.
— E não sofrerás menos por isso
— Como?
— Pela visão do bom senso reconhecerás, onde está o bem e o mal, e mil vezes não poderás aproveitar o bem, e livrar-te do mal.
— Mas é incompreensível!
— A pesar teu serás arrastado para longe do bem e para os precipícios do mal...
— Resistirei.
— Serás o censor de muitos e o reprovado de quase todos...
— Que importa?
— Os homens te condenarão contraditoriamente, como republicano e áulico, excêntrico e tolo, ateu e fanático, imoral e hipócrita, presumido e estúpido, santilão e demônio
— Rir-me-ei deles.
— Terás pois a luneta; mas será a última
— Conservá-la-ei sempre.
— Quebrá-la-ás.
— Conterá ela também a visão do futuro?
— Como, se e a do bom senso?— Criança, a visão do futuro não pode ser mais do que uma combinação de probabilidades feitas à luz do passado.
— Então juro que conservarei a luneta do bom senso por toda a minha vida.
— Fá-la-ás em pedaços e intencionalmente.
— Por quê?
— Porque é melhor não ver.
— Oh! não...
— Vou dar-te a luneta.