ARGUMENTO


Da grande Manteigui, puta rafada,
Se descreve a brutal incontinencia;
Do cafre infame a porra desmarcada,
Do cornigero esposo a paciencia:
Como á força de tanta caralhada
Perdendo o negro a rigida potencia,
Foge da puta, que sem alma fica
Dando mil berros por amor da pica.

CANTO UNICO


I


Canto a belleza, canto a putaria
De um corpo tão gentil, como profano;
Corpo, que, a ser preciso, enguliria
Pelo vaso os martellos de Vulcano:
Corpo vil, que trabalha mais n′um dia
Do que Martinho trabalhou n′um anno;
E que atura as chumbadas e pelouros
De cafres, brancos, maratás, e mouros.

II


Venus, a mais formosa entre as deidades,
Mais lasciva tambem que todas ellas;
Tu, que vinhas de Troya ás soledades
Dar a Anchises as mammas e as canellas:
Que grammaste do pae das divindades
Mais de seiscentas mil fornicadellas;
E matando uma vez da crica a sede,
Foste pilhada na vulcanea rede:

III


Dirige a minha voz, meu canto inspira,
Que vou cantar de ti, se a Jacques canto;
Tendo um corno na mão em vez de lyra,
Para livrar-me do mortal quebranto:
Tua virtude em Manteigui respira,
Com graça, qual tu tens, motiva encanto;
E bem pode entre vós haver disputa
Sobre qual é mais bella, ou qual mais puta.

IV


No cambayco Damão, que escangalhado
Lamenta a decadencia portugueza,
Este novo Ganós foi procreado,
Peste d′Asia em luxuria e gentileza:
Que ermitão de cilicios macerado
Pode ver-lhe o carão sem porra teza?
Quem chapeleta não terá de mono,
Se tudo que alli vê é tudo cono?

V


Seus meigos olhos, que a foder ensinam,
Té nos dedos dos pés tezões accendem;
As mammas, onde as Graças se reclinam,
Por mais alvas que os veus os veus offendem;
As doces partes, que os desejos minam,
Aos olhos poucas vezes se defendem;
E os Amores, de amor por ella ardendo,
As picas pelas mãos lhe vão mettendo.

VI


Seus cristalinos, deleitosos braços,
Sempre abertos estão, não para amantes,
Mas para aquelles só, que, nada escassos,
Cofres lhe atulham de metaes brilhantes;
As niveas plantas, quando move os passos,
Vão pizando os tezões dos circumstantes;
E quando em ledo som de amores canta,
Faz-lhe a porra o compasso co′a garganta.

VII


Mas para castigar-lhe a vil cobiça
O vingativo Amor, como aggravado.
Fogo infernal no coração lhe atiça
Por um sordido cafre asselvajado:
Tendo-lhe visto a torrida linguiça
Mais extensa que os canos d′um telhado,
Louca de comichões a indigna dama
Salta n′elle, convida-o para a cama.

VIII


Eis o bruto se coça de contente;
Vermelha febre sobe-lhe ao miolo;
Agarra na senhora, impaciente
D′erguer-lhe as fraldas, e provar-lhe o bolo:
Estira-a sobre o leito, e de repente
Quer do panno sacar o atroz mampolo:
Porem não necessita arrear cabos;
Lá vai o langotim com mil diabos.

IX


Levanta a tromba o rispido elephante,
A tromba, costumada a taes batalhas,
E apontando ao buraco palpitante,
Bate ali qual aríete nas muralhas:
Ella enganchando as pernas delirante,
«Meu negrinho (lhe diz) quão bem trabalhas!
Não ha porra melhor em todo o mundo!
Mette mais, mette mais que não tem fundo.

X


«Ah! se eu soubera (continua o couro
Em torrentes de semen já nadando)
Se eu soubera que havia este thesouro
Ha que tempos me estava regalando!
Nem fidalguia, nem poder, nem ouro
Meu duro coração faria brando;
Lavára o cu, lavára o passarinho.
Mas só para foder co′o meu negrinho.

XI


«Mette mais, mette mais... Ah Dom Fulano!
Se o tivesses assim, de graça o tinhas!
Não viveras em um perpetuo engano,
Pois vir-me-hia tambem quando te vinhas:
Mette mais, meu negrinho, anda magano;
Chupa-me a língua, meche nas mamminhas...
Morro de amor, desfaço-me em langonha...
Anda, não tenhas susto, nem vergonha.

XII


«Ha quem fuja de carne, ha quem não morra
Por tão bello e dulcissimo trabalho?
Ha quem tenha outra idéa, ha quem discorra
Em cousa, que não seja de mangalho?
Tudo entre as mãos se converta em porra,
Quanto vejo transforme-se em caralho:
Porra, e mais porra no verão, e no inverno.
Porra até nas profundas do inferno!...

XIII


«Mette mais, mette mais (ia dizendo
A marafona, ao bruto, que suava,
E convulso fazia estrondo horrendo
Pelo rustico som com que fungava:)
Mette mais, mette mais que estou morrendo!...
«Mim não tem mais!» O negro lhe tornava;
E triste exclama a bebeda fodida:
«Não ha gosto perfeito n′esta vida!»

XIV


N′este comenos o cornaz marido,
O bode racional, veado humano,
Entrava pela camara atrevido
Como se entrasse n′um logar profano:
Mas vendo o preto em jogos de Cupido,
Eis sahe logo, dizendo: «Arre, magano!
Na minha cama! Estou como uma braza!
Mas, bagatella, tudo fica em casa.»

XV


A foda começada ao meio dia
Teve limite pelas seis da tarde.
Veio saltando a nympha de alegria,
E de sordida acção fazendo alarde:
O bom consorte, que risonha a via,
Lhe diz: «Estás córada! O ceu te guarde;
Bem boa alpistre ao passaro te coube!
Ora dize, menina, a que te soube?»

XVI


«Cale-se, tolo» (a puta descarada
Grita n′um tom raivoso, e lhe rezinga)
O rei dos cornos a cerviz pezada
Entre os hombros encolhe, e não respinga:
E o courão, da pergunta confiada,
Outra vez com o cafre, e mil se vinga,
Até que elle, faltando-lhe a semente,
Tira-lhe a mamma, e foge de repente.

XVII


Deserta por temor d′esfalfamento.
Deserta por temer que o couro o mate:
Ella então de suspiros enche o vento,
E faz alvorotar todo o Surrate:
Vão procural-o de cipaes um cento,
Trouxeram-lhe a cavallo o tal saguate;
Ella o vai receber, e o grão Nababo
Pasmou d′isto, e quiz vêr este diabo.

XVIII


Pouco tempo aturou de novo em casa
O cão, querendo logo a pelle forra,
Pois a puta co′a a crica toda em braza,
Nem q′ria comer, só queria porra:
Voou-lhe, qual falcão batendo a aza,
E o courão, sem achar quem a soccorra.
Em lagrimas banhada, accêza em furia,
Suspira de saudade, e de luxuria.

XIX


Courões das quatro partes do universo
De gallico voraz envenenados!
Se d′este canto meu, d′este acre verso
Ouvirdes por ventura os duros brados:
Era bando marcial, côro perverso.
Vinde vêr um cação dos mais pescados.
Vinde cingir-lhe os louros, e devotos
Beijar-lhe as azas, pendurar-lhe os votos.

Resumindo aqui as indicações constantes de uma nota, que encontramos appensa a um antigo manuscripto d′este poema, sem todavia nos responsabilisarmos por sua veracidade, diremos que a protogonista D. Anna Jacques Manteigui, natural de Damão, vivia na cidade de Gôa em companhia de um marido de boa feição (cujo nome e circumstancias não vieram ao nosso conhecimento). Esta dama tornava-se notavel não menos pela sua belleza que por sua desenvoltura e ambição; e sabia fazer dos seus encantos um trafico por extremo lucrativo. D. Frederico Guilherme de Sousa, então Governador geral da India, apaixonando-se por ella, a tomara por sua amiga; porém isso não obstava a que ella não lhe fizesse repetidas infidelidades. Entre outras era accusada pela voz publica de entreter luxurioso commercio com um negro, seu escravo, moço bem fornido, ao qual dava de graça o mesmo que o Governador só podia comprar por alto preço! — Disse-se que na presente composição entrára por muito a vingança pessoal de Bocage, despeitado porque a dama se recusára abertamente a corresponder-lhe, pleiteando elle com ancia os seus favores. O que parece fóra de duvida é que d′aqui lhe proveio em parte a sua desgraça: pois que chegando esta satyra ás mãos de D. Frederico, este se julgou altamente offendido na pessoa da sua bella, e irritado contra o poeta o mandou incontinente deportado para Macau, d′onde a muito custo pôde obter licença e meios de transportar-se a Lisboa.

Do poema «Manteigui» temos visto tres ou quatro edições diversas; todas feitas, ao que parece, em Lisboa. Não nos ligamos a alguma em particular, mas aproveitamos de todas as variantes que offereciam visos de mais correctas, confrontando-as sempre com os manuscriptos que possuiamos, e preferindo em todos os casos o que se nos afigurava por mais exacto, e conforme ao texto original.

[Nota de Inocêncio Francisco da Silva]