A Maravilhosa Vida de Santos=Dumont/Capítulo 1
É um início de tarde frio, a neve serve de playground para aquele casal brincar a ponto de perder a noção do tempo. A pequena Sant Morritz é avistada a cada sobe e desce e as gargalhadas ecoam no silêncio dos Alpes. O ano de 1928 iniciava-se trazendo esperanças para Alberto Santos=Dumont, que no ano anterior estava muito preocupado com o uso bélico de seu invento. Após diversas tentativas frustradas de promover o avião como um instrumento de integração entre os povos, decidiu por restaurar seu equilíbrio emocional nos Alpes suíços. Sant Morritz parecia o local ideal para tal propósito, mas nada melhor para restaurar seu humor do que a presença da bela Yolanda Penteado que parecia ainda mais atraente carregando aquele estranho motor nas costas.
O aparato movido por um pequeno motor a petróleo do qual duas cordas servem para guiar os pés da esquiadora montanha acima é muito difícil de ser utilizado, e a nem tanto inexperiente Yolanda tem a estranha sensação que suas pernas adquiriam vida própria.
“Cuidado, não deixe que o Marciano entre em contato com a neve” Adverte o sorridente Santós ao ver a bela Yolanda completamente fora de controle deslizar na neve.
“Não sei como pode preocupar-se mais com esta barulhenta máquina do que com o meu bem estar. Não teme que me machuque?” Pergunta a também sorridente Yolanda com um provocante olhar.
“Tu sabes o quanto tua segurança é importante para este coração, mas temo que se o pequeno Marciano emperrar, tenhamos que abandonar este momento de maravilhoso prazer para nos ater ao reparo das peças”.
O galanteador Santós oferece ajuda a Yolanda que graciosamente tenta se concentrar na difícil tarefa de levantar-se com o motor ainda em funcionamento.
Ao perceber o breve desconforto de Yolanda, Santós estende o braço e desliga o motor, fazendo com que o silêncio constrangedor surja bem no momento em que estão frente a frente, e é então que um tímido sorriso surge em ambos os rostos enrubescidos.
“Por que chamas este aparelho de Marciano?” Pergunta Yolanda de forma ingênua tentando mudar o clima de doce tensão.
Santós abre um novo sorriso de satisfação e admiração: “Creio que ainda não sabes da estória deste pequeno aparelho e do meu encontro com o Sr. Wells”.
“Refere-se ao escritor H.G. Wells?”
“Ele mesmo, há algum tempo atrás, aqui mesmo na Suíça voltava para meu hotel de um teste com este pequeno dispositivo quando fui chamado por H. G. Wells. Ele logo entendeu que se tratava de um instrumento auxiliar para a prática do esqui, mas ficou intrigado com seu funcionamento”.
“Seria muito interessante saber sobre o que conversaram duas mentes tão criativas” interrompe Yolanda com visível olhar de curiosidade ainda segurando nas mãos de Santós.
“Talvez tenha sustentado conversas masculinas com o Sr. Wells”. Responde Yolanda quase se desmanchando em gargalhadas.
“Sim, Mulheres e Máquinas voadoras, dois dos assuntos que me empenho em entender de forma substancial. Mas Wells e eu temos grandes divergências no que diz respeito aos prazeres essenciais de nossas vidas”.
“Prazeres!?” pergunta Yolanda ainda com seu sorriso maroto.
“Sim prazeres, sinto muito prazer em botar em prática as coisas que li nos livros de Julio Verne, bem como botar em pratica aquelas coisas que nos surgem à mente cada vez que a natureza nos desafia a questionar o como e o porquê, até que criemos novas máquinas, inventos que melhorem a vida dos povos, ou mesmo que criemos equipamentos que salvem vidas, já o Sr. Wells vê prazer em transformar máquinas e inventos que já existem em grandes inventos da ficção”.
“Entendo, é a mesma diferença que existe entre artistas e estudiosos das artes. O artista executa, transcende a sua mente em telas, instrumentos musicais enquanto o estudioso as interpreta sentado em sua escrivaninha”. Afirma Yolanda fazendo analogia ao prazer que sente pelas artes.
“Exatamente, e sou franco em admitir que acho muito mais divertido ser o artista e sair da minha escrivaninha para os céus em aventuras que me proporcionam emoções que nem mesmo o melhor escritor de ficção conseguiria descrever”.
“Tudo bem” afirmou Yolanda de forma irônica ”quero saber mais sobre o que conversaram, não me importo se vai falar sobre outras mulheres desde que conte tudo”.
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