Ao escutar aquele aviso animador que, repetido pela boca de Filipe, tinha chegado até o gabinete onde conversavam Augusto e Fabrício, raios de alegria brilhavam em todos os semblantes. Cada cavalheiro deu o braço a uma senhora e, par a par, se dirigiram para a sala de jantar. Eram, entre senhoras e homens, vinte e seis pessoas.
Coube a Augusto a glória de ficar entre d. Quinquina, que lhe dera a honra de aceitar seu braço direito, e uma jovem de quinze anos, cuja cintura se podia abraçar completamente com as mãos. Um velho alemão ficava à esquerda dela e, sem vaidade, podia Augusto afirmar que d. Clementina prestava mais atenção a ele que ao jagodes, que, também, a falar a verdade, por seu turno, mais se importava com o copo que com a moça.
D. Quinquina (como a chamam suas amigas) conversa sofrível e sentimentalmente: é meiga, terna, pudibunda, e mostra ser muito modesta. Seu moral é belo e lânguido como seu rosto; um apurado observador, por mais que contra ela se dispusesse, não passaria de classificá-la entre as sonsas. D. Clementina pertencia, decididamente, a outro gênero: o que ela é lhe estão dizendo dois olhos vivos e perspicazes e um sorriso que lhe está tão assíduo nos lábios, como o copo de vinho nos do alemão. D. Clementina é um epigrama interminável; não poupa a melhor de suas camaradas: sua vivacidade e espírito se empregam sempre em descobrir e patentear nas outras as melhores brechas, para abatê-las na opinião dos homens com quem pratica.
Durante as primeiras cobertas ela dissertou maravilhosamente acerca de suas companheiras. Maliciosa e picante, lançou sobre elas o ridículo, que manejava, e os sorrisos de Augusto, que com destreza desafiava. As únicas que lhe haviam escapado eram d. Quinquina, provavelmente por ficar-lhe muito vizinha, e a irmã de Filipe, que estava defronte ou como é moda dizer — vis-à-vis.
Augusto quis provocar os tiros de d. Clementina contra aquela menina impertinente, que tão pouco lhe agradava.
— E que pensa V. S.ª desta jovem senhora que está defronte de nós? perguntou ele em voz baixa.
Quem?... A Moreninha?... respondeu ela no mesmo tom. Falo da irmã de Filipe, minha senhora.
— Sim... todos nós gostamos de chamá-la a Moreninha. Essa... Acabe d. Clementina, disse a irmã de Filipe que, fingindo antes não prestar atenção ao que conversavam os dois, acabava de fixar de repente na terrível cronista dois olhares penetrantes e irresistíveis.
Parecia que uma luta interessante ia ter lugar; as duas adversárias mostravam-se ambas fortes e decididas, porém d. Clementina para logo recuou; e, como querendo não passar por vencida, sorriu-se maliciosamente e, apontando para a Moreninha disse, afetando um acento gracejador:
— Ela é travessa como o beija-flor, inocente como uma boneca, faceira como o pavão, e curiosa como... uma mulher.
— Sim, tornou-lhe d. Carolina. Preciso é que os ouvidos estejam bem abertos e a atenção bem apurada, quando se está defronte de uma moça como d. Clementina, que sempre tem coisas tão engraçadas e tão inocentes para dizer! ... Oh! minha camarada, juro-lhe que ninguém lhe iguala na habilidade de compor um mapa.
— Mas... d. Carolina... você deu o cavaco?...
Oh! não, não... continuou a menina, com picante ironia; porém é fato que nenhuma de nós gosta de ser ofuscada com o esplendor de outra. Já basta de brilhar, d. Clementina; o sr. Augusto deve estar tão enfeitiçado com o seu espírito e talento, que decerto não poderá toda esta tarde e noite olhar para nós outras, sem compaixão ou desgosto; portanto, já basta... se não por si, ao menos por nós.
A cronista fez-se cor de nácar e a sua adversária, imitando-a na malícia do sorriso e no acento gracejador, prosseguiu ainda:
— Mas ninguém conclua daqui que, por ofuscada, perco o amor que tinha ao astro que me ofuscou. Bela rosa do jardim! Teus espinhos feriram a borboleta, mas nem por isso deixarás de ser beijada por ela!...
E assim dizendo, a Moreninha estendeu e apinhou os dedos de sua mão direita, fez estalar um beijo no centro do belo grupo que eles formaram e, enfim, executou com o braço um movimento, como se atirasse o beijo sobre d. Clementina.
Oh! disse Augusto consigo mesmo: a tal menina travessa não é tola como me pareceu ainda há pouco. E desde então começou o nosso estudante a demorar seus olhares naquele rosto que, com tanta injustiça, tachara de irregular e feio. Prevenido contra d. Carolina, por havê-la surpreendido fazendo-lhe uma careta, o tal sr. Augusto, com toda a empáfia de um semidoutor, decidiu magistralmente que a moça tinha todos os defeitos possíveis. Coitadinho! ... Espichou-se tão completamente, que agora mesmo já estava pensando com os seus botões: ela não será bonita!... porém feia?... isso é demais!
— Chegou muito tarde à ilha... balbuciou d. Quinquina, como quem desejava travar conversação com Augusto.
— Pensa deveras isso, minha senhora?!... respondeu este, pregando nela um olhar de quem está pedindo um sim.
— Penso... disse a moça enrubescendo.
— Pois é precisamente agora que eu reconheço ter chegado muito tarde ou pelo contrário, talvez cedo demais.
— Cedo demais?...
— Certamente: não se chegará sempre cedo demais onde se corre algum risco?
— Aqui, portanto...
— Neste lugar, portanto, continuou o estudante, voltando os olhos por todas as senhoras, e apontando depois para d. Quinquina; aqui, principalmente, floresce e brilha o prazer, mas perde-se também a liberdade de um mancebo!
Os dois foram interrompidos para corresponder a uma longa e interminável coleção de brindes que o alemão principiou a desenrolar, e com tanta freqüência e tão pouca fertilidade, que só a sra. d. Ana teve, por sua saúde, de vê-lo beber seis vezes.
Enfim, cedeu um pouco a tormenta, e d. Quinquina, que havia gostado do que lhe dissera o estudante, continuou:
— Não quis vir com os seus colegas?
— Eu gosto de andar só, minha senhora.
— Sempre é má e triste a solidão.
— Mas às vezes também a sociedade se torna insuportável... por exemplo, depois de amanhã...
— Depois de amanhã? repetiu ela, sorrindo-se; depois de amanhã o quê?
— Minha senhora, ouvidos que escutaram acordes, sons de harpa sonora, vibrada por ligeira mão de formosa donzela, doem-se de ouvir o toque inqualificável da viola desafinada da rude sabia.
Eu não o compreendo bem...
— Quem respirou o ar embalsamado dos jardins. o aroma das rosas, os eflúvios da angélica, incomoda-se, exaspera-se ao respirar logo depois a atmosfera grave e carregada de miasmas de um hospital.
— Ainda o não entendi.
— Pois juro, minha senhora, que desta vez me há de compreender perfeitamente. Digo que, vendo eu hoje dois olhos que por sua cor se assemelham a dois belos astros de luz, cintilando em céus do mais puro azul; que, escutando uma voz tão doce como serão as melodias dos anjos; que enfim, respirando junto de alguém, cujo bafo é um perfume de delícias, depois de amanhã preferirei não ver, não ouvir e não cheirar coisa alguma, a ver os olhos pardos e encovados ali do meu amigo Leopoldo, a ouvir a voz de taboca rachada do meu colega Filipe e a respirar a fumaça dos charutos de meu companheiro Fabrício.
—Ah!... exclamou outra vez inesperadamente d. Carolina, eu creio que d. Quinquina terá finalmente compreendido o que o sr. Augusto tanto se empenha em lhe explicar.
— Minha prima, atreveu-se a dizer a ingênua, modesta, medrosa e muito sonsa d. Quinquina; minha prima, você o teria compreendido no primeiro instante, não é assim?...
— Certamente, respondeu a mocinha, sem perturbar-se; o sr. Augusto, além de falar com habilidade e fogo, pôs em ação três sentidos; o que poderia também suceder, era que, como algumas costumam fazer, eu fingisse não compreendê-lo logo, para dar lugar a mais vivas finezas, até que ele de fatigado dissesse tudo, sem figuras e flores de eloqüência... Ora, isso quase que aconteceu, porque os olhos, os ouvidos e o nariz do sr. Augusto hão de estar certamente cansados de tão excessivo trabalho!
— Minha senhora!
Por desdita dele não houve ocasião de pôr em campo um outro sentido; o gosto ficou em inação, bem contra a sua vontade, não é assim, sr. Augusto?...
— Minha prima, todos olham para nós...
— A respeito do tato, não direi palavra, continuou a terrível Moreninha; porque se as mãos do sr. Augusto conservaram-se em justa posição, quem sabe os transes por que passariam os pés de minha prima?... Os srs. estão tão juntinhos, que com facilidade e sem risco se podem tocar por baixo da mesa.
— Menina! exclamou a sra. d. Ana, com acento de repreensão.
— Minha senhora, consinta que ela continue a gracejar, disse Augusto, meio aturdido. Além de me dar a honra de tomar-me por objeto de seus gracejos, dá-me também o prazer de apreciar e admirar seu espírito e agudeza.
— Agradecida! Muito agradecida! tornou o diabinho da menina, rindo-se com a melhor vontade. Eu cá não custo a compreendê-lo como minha prima; já sei o que querem de mim os seus elogios... Estou comprada, não falo mais.
Uma risada geral aplaudiu as últimas palavras de d. Carolina; não há nada mais natural; ela era a neta da dona da casa, além de ser moça e rica.
Começava então a servir-se a sobremesa.
E eu, apesar de amigo e colega de Augusto, disse por fim Fabrício, endireitando-se, não posso deixar de lastimar a sra. d. Joaquina, pela triste conquista que acaba de fazer.
Augusto conheceu que lhe era dado o sinal de combate. Fabrício queria tomar vingança de sua nenhuma condescendência, e pois, preparou-se para sustentar a luta com todo o esforço. Vendo que todos tinham os olhos fitos nele, como que esperando unia resposta, não hesitou.
— Obrigado, disse; nem eu mesmo posso de mim formar outro conceito. Devo, todavia, declarar que, se me fosse dado conhecer a ditosa mortal que conseguiu ganhar os pensamentos e o coração do meu colega, certo que eu lhe daria meus parabéns em prosa e verso, porque Fabrício é, sem contradição, a mais alegre e apreciável conquista!
A ironia o feriu. A interessante Moreninha lançou sobre Augusto um olhar de aprovação e sorriu-se brandamente; gostou de o ver manejar sua arma favorita. Sem se explicar o porquê, também o nosso estudante teve em muita conta aquele sorriso da menina travessa. Fabrício continuou:
— Venha embora o ridículo, que nem por isso poder-se-á negar que para o nosso Augusto não houve, não há, nem pode haver amor que dure mais de três dias.
— Venha embora o ridículo, que nem por isso poder-se-á negar que para o nosso Augusto não houve, não há, nem pode haver amor que dure mais de três dias.
Todas as senhoras olharam para o réu daquele horrendo crime de lesa-formosura. Augusto respondeu:
— E o que há aí de mais engraçado, é que Fabrício tem culpa disso, porque, enfim, manda o meu destino que eu sempre tenha andado, ande, e haja de andar em companhia dele, que com a maior crueldade do mundo, tira-me todos os lances, antes de três dias de amor.
Novo olhar, novo sorriso de aprovação de d. Carolina: novo prazer de Augusto por merecê-los.
Fabrício torceu-se sobre a cadeira e prosseguiu:
— Nada de fugir da questão. Poder-se-ia julgar fraqueza querer de algum modo ocultar que, tanto em prática como em teoria, o meu colega é e se preza de ser o protótipo da inconstância.
Eis o que ele não pode negar, acudiram Leopoldo e Filipe, rindo-se.
— E para que negar, se já o nosso colega afirmou que eu me prezava de ter essa qualidade?
— Misericórdia! exclamou uma das moças.
— É possível?! ... perguntou a avó de Filipe, com seriedade.
— É absolutamente verdade, respondeu o estudante. Lançou depois um olhar ao derredor da mesa e todas as senhoras lhe voltaram o rosto. D. Quinquina tinha nos lábios um triste sorriso. A Moreninha olhou-o com espanto, durante um certo momento, mas logo depois soltou uma sofrível risada e pareceu ocupar-se exclusiva-mente de uma fatia de pudim.
Reinou silêncio por alguns instantes; Fabrício parecia vitorioso; Augusto estava como em isolamento, as senhoras olhavam para ele com receio, e mostravam temer encontrar seus olhos; dir-se-ia que receavam que de uma troca de olhar nascesse para logo o sentimento que as devesse tornar desgraçadas. Desde as fatais palavras de Fabrício, Augusto era naquela mesa o que costumava ser um leproso na Idade Média: o homem perigoso, cujo contato podia fazer a desgraça de outro.
Fabrício compreendeu em quão triste situação estava o seu adversário e inexperiente, se havia de deixá-lo debatendo-se em sua má posição, quis ainda mais piorá-la, e foi talvez arrancá-lo dela. Fabrício, pois, fala; as senhoras embebem nele os olhos e o aplaudem, enquanto Augusto, servindo-se de um prato de grosso melado, afeta prestar pouca atenção ao seu acusador.
— Sim, minhas senhoras, é um jovem inconstante, acessível a todas as belezas, repudiando-as ao mesmo tempo para correr atrás de outra, que será logo deixada pela vista de uma nova, como se ele fosse a inércia da matéria, que conserva impressão, mas que não a guarda senão o tempo que é gasto para um novo agente modificá-la!
Muito bem! Muito bem! disseram algumas vozes.
— Seu coração é pétrea abóboda de teatro que não entende o dizer de Auber, quando soluça a flauta ternos sons de musical discurso, pois aquela muda superfície reflete a todos, e a todos esquece com estúpida indiferença!
— Bravo! ... Fabrício está hoje romântico! exclamou Leopoldo, apontando maliciosamente para a garrafa que se achava defronte do orador, e quase de todo esgotada.
Apoiadíssimo! ... murmurou Augusto, apontando também para a garrafa.
— Mas ele deverá viver de lágrimas, suspiros e ânsias de condenado... concluiu Fabrício.
— Bravo!... Muito bem!... Bravo!...
— Peço a palavra para responder! exclamou Augusto.
— Tem a palavra, mas nada de maçada!
— Duas palavras, minhas senhoras, só duas palavras. Sim, defenda-se, defenda-se.
— Defender-me?... Certo que não o farei; poderia, ao contrário, acusar, mas também não quero; julgo apenas dar algumas explicações. Minhas senhoras, debaixo de certo ponto de vista o meu colega Fabrício disse a verdade, porque eu sou, com efeito, o mais inconstante dos homens em negócio de amor.
— Ainda repete?!
— Mas também quem me conhece bastante conclui que, por fim de contas, não há amante algum mais firme do que eu.
— O senhor está compondo enigmas.
— Não o interrompam, deixem-no apresentar o seu programa amoroso.
— Sim, minhas senhoras, continuou Augusto; vamos ao desenvolvimento da primeira proposição.
— Ouçam! Ouçam!
— A minha inconstância é natural, justa e, sem dúvida, estimável. Eu vejo uma senhora bela: amo-a, não porque ela é senhora... mas porque é bela; logo, eu amo a beleza. Ora, esse atributo não foi exclusivamente dado a uma senhora, e quando o encontro em outra, fora injustiça que eu desprezasse nesta aquilo mesmo que eu tanto amei na primeira.
— Bravo! ... Viva o raciocínio!
— Mais ainda. Todo mundo sabe que não há quem nasça perfeito. Suponhamos que eu estou na agradável companhia de três jovens, todas são lindas; a primeira vence a segunda na delicadeza do talhe, esta supera aquela na ternura do olhar e na graça dos sorrisos, e a terceira, enfim, ganha-as na sublime harmonia de umas bastas madeixas negras, coroando um rosto romanticamente pálido; ora, bem se vê que seria cometer a mais detestável injustiça se eu, por amar a delicadeza do talhe da primeira, me esquecesse das ternuras dos olhares e da graça dos sorrisos da segunda, assim como das bastas madeixas negras e do rosto romanticamente pálido da última.
— Muito bem, Augusto, exclamou Filipe. Estou achando um não sei quê tão aproveitável no teu sistema, que me vejo em termos de segui-lo.
— Eis aqui, pois, porque sou inconstante, minhas senhoras; é o respeito que tributo ao merecimento de todas, é talvez o excesso a que levo as considerações que julgo devidas ao sexo amável, que me faz ser volúvel. Agora eu entro na segunda parte de minha explicação.
— Atenção! ... Ele vai provar que é constante!
— Antes que ninguém, minhas senhoras, eu repreendi o meu coração pela sua volubilidade; mas vendo que era vão trabalho querer extinguir por tal meio uma disposição que a natureza nele plantara, pretendi primeiro achar na mesma natureza um corretivo que o fizesse constante. Procurei uma jovem bem encantadora para me lançar em cativeiro eterno, mas debalde o fiz, porque eu sou tão sensível ao poder da formosura, que sempre me sucedia esquecer a bela de ontem pela que via hoje, a qual, pela mesma razão, era esquecida depois. Quantas vezes, minhas senhoras, nos meus passeios da tarde, eu olvidei o amor da manhã desse mesmo dia por outro amor, que se extinguiu no baile dessa mesma noite!
— E exageração! disse uma senhora.
— E exatamente assim, acudiu Fabrício.
— Que folha dalho! ... exclamou d. Quinquina.
— Então, minhas senhoras, prosseguiu Augusto, entendi que deveria recorrer a mim próprio para tornar-me constante. Consegui-o. Sou firme amante de um só objeto que não tem existência real, que não vive.
— Como é isso!... Então a quem ama?
— A sua sombra, como Narciso?...
— A boneca que se vê na vidraça do Desmarais?...
— Ao cupido de Praxíteles, como Aquídias de Rodes?...
— Alguma estátua da Academia das Belas-Artes?...
— Nada disso.
— Então a quem?
— A todas as senhoras, resumidas num só ente ideal. À custa dos belos olhos de uma, das lindas madeixas de outra, do colo de alabastro desta, do talhe elegante daquela, eu formei o meu belo ideal, a quem tributo o amor mais constante. Reúno o que de melhor está repartido e faço mais ainda: aperfeiçôo a minha obra todos os dias. Por exemplo, retirando-me desta ilha, eu creio que vestirei o meu belo ideal de novas formas!
Viva o cumprimento!...
— Foi assim, minhas senhoras, que me pude tornar constante e, graças ao meu proveitoso sistema, posso amar a todas as senhoras a um tempo, sem ser infiel a nenhuma, disse.
— Muito bem!... Muito bem!...
— Augusto desempenhou-se.
O champanha estourava naquele momento. Leopoldo tomou a palavra pela ordem.
Eu vou, exclamou, propor um belo meio de terminar estas discussões, convidando a todos os senhores para um brinde, no qual Augusto, por castigo de sua inconstância, não nos poderá acompanhar. Não é novo que mancebos bebam, no meio dos prazeres de um festim, um copo de vinho depois de pronunciar o nome daquela que é a dama de seus pensamentos. Aqui não estamos só mancebos e, pois, não faremos tanto; pronunciaremos, contudo, a inicial do primeiro nome.
— Sim! Sim! disse Filipe, Augusto não beberá conosco...
— Não, maninho, acudiu a interessante Moreninha, ele há de beber também.
— Ah, minha senhora! No beber um copo de champanha não está a dúvida; a dificuldade toda é poder, entre tantos nomes, escolher o mais amado. Acode-me tal número dos que têm tocado o superlativo do amor...
— M... disse Leopoldo, esvaziando seu copo.
— C... pronunciou Filipe, olhando para d. Clementina.
— J... balbuciou Fabrício, exasperado com um acesso de tosse que atacara Augusto.
Os outros mancebos pronunciaram suas letras, e só o inconstante faltava.
— Eia! Ânimo, sr. Augusto, disse d. Carolina.
— Mas que letra, minha senhora?... se eles me dessem licença, faria o enorme sacrifício de reduzir as que me lembram ao diminuto número de vinte e três.
— Nada! nada! Nesta saúde não entra o número plural.
— Pois bem, sr. Augusto, continuou a menina, uma coleção não deixa de ser singular; beba o seu copo de champanha ao alfabeto inteiro!
— Sim, minha senhora, ao alfabeto inteiro!
Meia hora depois levantaram-se da mesa. Leopoldo aproximou-se de Augusto.
— Então que dizes, Augusto?...
— Que passaremos a mais agradável noite.
— E quem ganhará a aposta?
— Eu.
— De qual destas meninas estás mais apaixonado?...
— Estou na minha regra, mas hoje tenho-me apaixonado só de três, principalmente.
— E o que pensas da irmã de Filipe?
— A melhor resposta que te posso dar, é... não sei... porque, ao meio-dia, a julgava travessa, importuna e feia, mas era-me completamente indiferente.
— À uma hora?...
— Eu a supus estouvada e desagradável.
— Às duas horas?...
— Má, e desejava vê-la longe de mim.
— Durante o jantar?...
— Fui achando-lhe algum espírito e acusei-me por havê-la julgado feia.
— E agora?
— Parece que me sinto inclinado a declará-la engraçada e bonitinha.
— E daqui a pouco?
— Eu direi.