CONCLUSÃO


O conselheiro partiu no dia seguinte para Lisboa, para tomar parte na pilotagem da nau do Estado. Estive tentado a dizer, para satisfação de animo dos meus leitores, que, sob a direcção dos talentos e aptidões do novo estadista, se locupletou a fazenda publica, prosperou a agricultura e a industria, refulgiram as artes e as lettras; e que Portugal, como a Grecia, sob Pericles, causou o assombro das nações do mundo.

Mas receiei que, phantasiando no nosso paiz um governo fecundo e prospero, a inverosimilhança do facto prejudicasse no espirito dos leitores a dos outros episodios narrados, e, lhes entrasse com isto a desconfiança no chronista. Resolvi pois ser franco, declarando que sob a direcção do conselheiro e dos seus collegas, Portugal regeu-se, como se tem regido sob as duzias de ministerios, que nós todos havemos já conhecido.

O conselheiro, já ministro, voltou tempos depois á aldeia, para assistir aos casamentos de Magdalena e de Christina, que se verificaram no mesmo dia.

Christina e Henrique foram viver para Alvapenha, para condescender com D. Dorothéa, que não podia resignar-se a viver só.

Sob a superintendencia do novo administrador, transformou-se completamente a quinta, e é hoje uma das mais rendosas e bem geridas propriedades d’aquelles sitios.

Henrique, o elegante do Chiado, o frequentador do Gremio e de S. Carlos, está um rico e laborioso proprietario rural. Apaixonou-se pela agricultura, e promette realisar o typo do antigo patriarcha.

Cumpriu-se a sua visão.

Das mil e uma molestias, com que saira de Lisboa, já nem memoria lhe resta.

Christina, além de ser adorada pelo marido, vê-se rodeada pelo amor e carinhos de D. Dorothéa e de Maria de Jesus, as quaes, sem o menor despeito, a viram tomar o sceptro da realeza domestica, que usa com adoravel brandura, desenvolvendo de dia para dia os seus talentos de mulher.

No Mosteiro não correm peor as coisas, sob os cuidados de Augusto e de Magdalena, que ahi ficaram, por exigencias de D. Victoria. Augusto, além de se occupar de agricultura, alimenta a imaginação, já não a fazer versos, mas em outra fórma de poesia: a organisar a escola sob bases mais racionaes, e dotação mais fecunda; a generalisar e educar os processos agricolas; a implantar industrias novas.

É assim que a sericultura, graças aos seus cuidados, é hoje alli cultivada com bons resultados, e outras já principiam a ensaiar-se.

Magdalena é sempre a mulher que foi; se é que as nobres qualidades já reveladas nos seus actos de juventude, não se vão caracterisando inda melhor, á medida que de mais graves deveres se incumbe a sua missão de mulher. Intelligencia temperada por um bom senso natural, que a educação esmerada não estragou, como a tantas acontece, caracter apaixonado, mas de trato affavel e insinuante, meiga sem indolencia, grave sem severidade, acompanha-a o encanto que a todos prende, que não faz sentir a ninguem o peso da obediencia.

É hoje quem tudo dirige no Mosteiro; querida pelos primos, querida por D. Victoria, adorada pelo marido e abençoada pelo povo, que soccorre com esmolas e conselhos, pode bem dizer-se que reina n’aquelles sitios.

D. Victoria resignou na sobrinha todos os encargos domesticos, salvo o direito de ralhar com os criados, que ella sustenta serem os peores do mundo; prompta sempre a intervir a favor de qualquer d’elles, quando despedidos.

Em relação ás personagens secundarias d’esta historia pouco teremos a dizer.

O brazileiro fez as pazes com o conselheiro, porque este, logo que entrou para o ministerio, mandou lavrar o decreto em que se nomeava visconde de não sei quê o seu antigo inimigo. Foi este o primeiro acto politico do gabinete, que o paiz ingrato teve a sem-razão de não applaudir.

O brazileiro, em paga, entrou com Augusto em competencia de melhoramentos locaes, com grande proveito da aldeia.

O sr. Joãozinho, em vista d’esta fusão de partidos, achou-se encorporado na liga, e em pouco tempo teve occasião de demonstrar de novo a sua influencia eleitoral, trazendo compacta á urna a freguezia de Pinchões, para reeleger o conselheiro que, pela sua nomeação, perdera o logar de deputado. D’esta vez ninguem lh’o disputou, e era edificante vêr o brazileiro ao lado do Tapadas, esquecidos antigos odios, votando de commum accordo e de boa harmonia.

A reconciliação entre dois adversarios commove sempre a alma.

O sr. Joãozinho não mudou de habitos, e cada vez tem mais dividas, mais cães e mais bebedeiras.

O Pertunhas foi perdoado, e continua imperturbavel nas suas funcções de ensino e na commissão do correio, odiando os irmãos Virgilios e desafogando as suas mágoas na embocadura da trompa.

O homem queixa-se de ter sido victima de uma vingança. Confessa que por brincadeira tirára uma carta da pasta de Augusto, mas que a tornára a collocar no seu logar e por isso...

A familia Zé P’reira vae em rapida decadencia; o homem já nem tem fôrça para fazer resoar o zabumba. É esta uma das que mais deve á caridade de Magdalena.

O conselheiro, ainda hoje no gôso imperturbado dos votos unanimes d’aquelle circulo eleitoral, vem de quando em quando retemperar o animo exhausto nas fadigas parlamentares e nas diversões da capital, no seio da sua feliz familia, e volta melhor.

Angelo, logo que principiam as ferias dos seus estudos superiores, corre com alvoroço de creança a gosar na aldeia os dias que elle já presente terem de ser os mais felizes de toda a sua vida.

A quinta dos Cannaviaes, á qual andam ligadas suaves recordações dos dois venturosos pares, que os incidentes d’esta historia reuniram, foi transformada por Magdalena n’uma habitação de recreio, onde as duas familias celebram, durante o anno, algumas festas em commum.

Estes melhoramentos vieram confirmar o título de que Magdalena havia muito estava de posse.

E hoje é ella ainda entre a gente do povo conhecida pelo nome de «Morgadinha dos Cannaviaes».