CANTO VII

A MORTE DA ÁGUIA
 

A Morte da Águia


Mal a Águia divina ouviu o canto,
Que unia a Morte á Vida e que do Empireo
Nos infinitos vales reboava,
Ergueram-se-lhe as asas por encanto,
Porque a espiral de fogo e de delírio
Para o seio da Luz a arrebatava.

Sentiu correr-lhe o sangue de roldão,
Como se cada artéria fosse o leito
Dum rio caudalôso;
E o largo, intumecido coração
Batia-lhe de encontro ao forte peito,
Como na costa dura o Mar irôso.



Bateu as asas como um largo açoite
A fustigar ainda a Tempestade
Para que o Turbilhão fôsse mais forte;
E ao afundar-se nessa imensa Noite
Sentiu, último dom da divindade,
A alegria da Morte.

Alegria da Morte! A derradeira
Dos que numa agonia dolorida
Fitam os ólhos num país sidério,
A última alegria e a primeira
Dos que ao despedaçar a própria Vida
Despedaçam as portas do Mistério.

Alegria da Morte! a mais ardente
De todos quantos buscam a Verdade,
De todos os que morrem por amar:
Dos que olham o Destino tam de frente,
Que pondo a vida toda na vontade,
Obrigam-no a parar!

Alegria do Sol em pleno ocaso,
Que ao cair para o Mar,
Ao esconder-se na serra,


Sabe que dentro de bem curto prazo
De novo ha-de raiar
E aquecer toda a Terra!

Outro Mazeppa no corcel em fuga,
Buscando a glória na miséria extrema
Numa carreira alada e desabrida,
Que a noite, as feras e o pavôr estuga,
Pois não ha sombra que o corcel não tema,
Nem faça correr mais a toda a brida,

Assim a Águia vôa arrebatada,
Assim devora abismos de repente
E como sombra lívida perpassa,
Até que no mais alto da abalada
Um raio fulje, abrindo um sulco ardente
E em pleno Turbilhão a despedaça.

O coração da Águia foi queimado,
Fez-se um clarão da mais divina esperança,
Que espalhando-se em toda a imensidade
Foi abraçar o Céu de lado a lado
Num arco-iris, o arco da Aliança,
Que alumia depois da Tempestade.


Os Lázaros do sonho irrealisado,
Os que morrem á míngoa de ventura
E nunca ouviram cantos de vitória,
Acordam vendo o Céu illuminado,
Sentem abrir-se a antiga sepultura
E surjem de repente em plena glória.

Aleluia! Aleluia! grita o Mundo
E logo a Terra atira das entranhas
Tesoiros mil sepultos;
Emquanto do profundo,
Do recóndito seio das montanhas
Correm á luz os mananciais ocultos.

Das esquecidas mas leais sementes
No regaço amantíssimo dos montes
Uma Floresta triunfal se eleva;


Ha flôr's mais rescendentes,
Nascem mais vivas e abundantes fontes
E os astros incendeiam mais a Treva!

S. João do Campo, Setembro de 1908 e Setembro e Outubro de 1909.