Além na solidão, sobre os desertos,
Tu só te ergues altiva e apontas céos;
E deixas, sobranceira ás tempestades,
Rugir de um mar de areia os escarcéos!

Tu só! Quem te creou? Mysterio immenso
Ao nascer te encobriu, te envolve o sêr...
E agora eis-te, rival das serranias,
Como ellas condemnada a não morrer.

Tu só! Além, na extrema do horizonte,
Passa o Arabe no auge do furor,
Luz-lhe na mão o alfange, o olhar fuzila,
Vão com elle em tropel morte e terror!

Mas lá surge do accaso arroxeado,
Ao mando de medonho furacão,
Nuvem de ardente pó que rue sobre elle,
Que o sepulta em deserto, árido chão.

Mas tu sorris ás furias da tormenta,
Não temendo arrostal-a inda uma vez,
E ella, a que troou pelos espaços,
Vem tremendo morrer-te ahi aos pés.

Do cimo sublimado, erguido ás nuvens,
Vês os sec'los nascer, ruir no pó;
E em meio da ruina dos imperios
Ficas tu, ó gigante, eterno e só!

Além, n'esse deserto a quem assombras,
Que vidas, que paixões se hão revolvido!
E a todas o deserto, qual sudario,
Nas dobras da mortalha ha envolvido.

Tu podes apontar ao viajante
Um nome ou um logar na solidão:
Dizer — Alli, Palmira foi cidade —
— Aqui, foi um heroe Napoleão. —

Tu só podes dizel-o. Quem mais sabe,
Que pó envolve agora o que morreu?
Quem pode differençar, n'um mar infindo,
Um pó de um outro pó que o envolveu?

Só tu! Na solidão, sobre os desertos,
Tu só te ergues altiva, e apontas céos;
E deixas, sobranceira ás tempestades,
Rugir de um mar de areia os escarcéos!

Coimbra, Dezembro, 1859.