Formação de um corpo de Exército destinado a atuar, pelo norte, sobre o Alto Paraguai. Distâncias e dificuldades de organização.

Para dar uma idéia, algum tanto exata, dos lugares onde, em 1867, ocorreram os acontecimentos cuja narrativa se vai ler, convém lembrar que, ao finalizar de 1864, havendo o Paraguai atacado e invadido, simultaneamente, o Império do Brasil e a República Argentina, achava-se, decorridos dois anos, após tal investida, reduzido a defender o próprio território, invadido do lado do sul, pelas forças conjuntas das duas potências aliadas, a quem coadjuvava pequeno contingente de tropas da República do Uruguai. Ao rio oferecia o caudaloso Paraguai mais vantagens à expugnação da fortaleza de Humaitá, que, pela posição especial, se convertera na chave estratégica do país, assumindo, nesta porfia encarniçada, a importância de Sebastopol, na Campanha da Criméia.

Ao norte, do lado de Mato Grosso, eram as operações infinitamente mais difíceis, não só porque ocorriam a milhares de quilômetros do litoral atlântico, onde se concentram todos os recursos do Brasil, como ainda por causa das inundações do rio Paraguai, que, cortando na parte superior do curso terras baixas e planas, transborda anualmente, a submergir então regiões extensíssimas. Consistia o plano de ataque mais natural em subir as águas do Paraguai, do lado da Argentina, até o coração da república inimiga e, do Brasil, descê-las a partir de Cuiabá, a capital mato-grossense que os paraguaios não haviam ocupado.

Teria impedido à guerra arrastar-se durante cinco anos consecutivos esta conjugação de esforços simultâneos. Mas era-lhe a realização extraordinariamente difícil, devido às enormes distâncias a transpor. Basta lançar os olhos sobre um mapa da América do rio e examinar o interior do Brasil, em grande parte desabitado, para que qualquer observador de tal se convença logo.

No momento em que se enceta esta narrativa, estava, pois, a atenção geral das potências aliadas quase exclusivamente voltada para o sul, para as operações de guerra, travadas em torno de Curupaiti e Humaitá. Quanto ao plano primitivo fora ele mais ou menos abandonado; quando muito ia servir de pretexto a que se infligissem as mais terríveis provações a uma pequena coluna expedicionária, quase perdida nos imensos e desertos sertões brasileiros.

Em 1865 - ao arrebentar a guerra que Francisco solano Lopes, o presidente do Paraguai, na América do rio suscitara sem maior motivo do que os ditames da ambição pessoal; quando muito a invocar o vão pretexto da manutenção do equilíbrio internacional - o Brasil, obrigado a defender honra e direitos, dispôs-se, denodadamente, para a luta. A fim de reagir contra o inimigo, em todos os pontos onde podia enfrentá-lo, o plano da invasão do Paraguai setentrional acudiu naturalmente a todos os espíritos; preparou-se uma expedição para este fim.

Não foi infelizmente este projeto de diversão realizado nas proporções que sua importância exigia; e, mais infelizmente ainda, os contingentes acessórios sobre os quais contávamos, para avolumar o corpo de Exército expedicionário, durante a longa jornada através de São Paulo e Minas Gerais, falharam em grande parte ou desapareceram devido à cruel epidemia de varíola e às deserções que esta provocou. Marchou-se lentamente: provinha a demora de muitas causas, sobretudo da dificuldade do abastecimento de víveres.

Foi somente em julho (partira do rio de Janeiro em abril) que a coluna pôde organizar-se em Uberaba, chegando-lhe os quadros a atingir cerca de três mil homens. Reforçavam-na vários batalhões que, de Ouro Preto, trouxera o coronel José Antônio da Fonseca Galvão.

Não sendo esta força ainda suficiente para uma ofensiva, seu comandante, Manuel Pedro Drago, encaminhou-a para a capital de Mato Grosso, a fim de avolumá-la. Assim se adiantou em direção ao noroeste, até as margens do Paranaíba, quando ali recebeu peremptórias ordens do governo, levando-lhe instruções formais de marchar para o distrito de Miranda, então ocupado pelo inimigo.

Tal injunção, no ponto a que chegáramos, impunha como forçado corolário obrigar-nos a descer em direção ao rio coxim e a contornar em seguida a serra de Maracaju, por sua base ocidental, anualmente invadida pelas águas do Paraguai. Assim, pois, estava a expedição condenada a atravessar extensíssíma região empestada pelas febres palustres.

A 20 de dezembro atingiu o Coxim, ainda sob o comando do coronel Galvão, recentemente investido da chefia e, pouco depois, graduado em brigadeiro.

Embora sem valor algum estratégico, tinha pelo menos o acampamento do Coxim uma altitude que lhe garantia a salubridade. Não tardou, porém, que a enchente havendo-o ilhado e isolado, ali passasse a força pelas mais cruéis privações, sofrendo até fome.

Após longas hesitações, forçoso se tornou romper ao acaso, através do pestilento pantanal, onde a coluna foi desde o princípio provada pelas febres. Uma das primeiras vítimas veio a ser o próprio e infeliz chefe, falecido à margem do rio Negro. Afinal, arrastando-se penosamente, conseguiu atingir a povoação de Miranda a 396 quilômetros para o Sul. Aí uma epidemia climática de novo gênero, a paralisia reflexa, ou beribéri, acabrunhou-a, dizimando-a ainda mais. Dois anos quase haviam decorrido, desde a nossa partida do rio de Janeiro. Lentamente descrevêramos imenso circuito de dois mil cento e doze quilômetros. E já um terço de nossa gente perecera.