A
SENSIBILIDADE NACIONAL
E ESTRANGEIRA;
HOMENAGEM
E MUITO AUGUSTA SENHORA
DAS RELIGIOSAS D’AJUDA.
RIO DE JANEIRO,
RUA DO OUVIDOR, N.º 95.
Homenagem á sempre saudoza memoria da muito Alta e muita Augusta Senhora DONA
LEOPOLDINA CAROLINA JOSEPHA, Imperatriz do Brasil.
Hum golpe inesperado acaba de lançar por
terra a virtuosa, a immortal Filha dos Cezares; de cima dos altares erguidos em os
nossos corações Ella vai descer aos horrores
do tumulo ; o Objecto das nossas esperanças ;
e dos nossos mais sinceros votos ; o Exemplar das virtudes mais sublimes ; a Princeza
que cobrio o Throno Austral com esses augustos ramos dos Thronos d’Austria, e de
Bragança entrelaçados pelos vinculos do amor
mais puro, e mais santo ja não existe... nós
não tornaremos a vé-la no meio destas praças, que se alegravão com a sua prezença...
Brasileiros , sim nós a perdemos ; o Ceo privou-nos do gosto de a possuir-mos. A morte
ferio a mocidade mais robosta; espalhou escuras sombras solare o explendor da modestia; esterilizou para sempre a Augusta Mai
do pobre; do orfão; da viuva; do desvalido; fexou por huma vez o seu Asylo, e
oppoz á docura das Suas palavras soccorendo
esses infelizes, o tenebrozo silencio d’hum
Tumulo inseusivel ás nossas lagrimas. Perda
irreparavel !... Vive ainda em nossa lembrança a idéa desses arcos, que o amor da
Patria; que a gratidão Brasileira levantara no
memorando dia de sua recepcão entre nós :
ella trazia então em suas mãos as Coroas da
Europa, que a procurárão no seio de Seus Augústos Pais, lisongeando-se de as trocar pela
Coroa Portugueza, que lhe offerecia o Senhor
D. João VI.; nossa imaginação ainda se figura vêr a Filha dos Rodolfos, dos Maximianos, dos Leopoldos, das Marias Therezas ao
ladio d’esse grande Rei, que parecia remoçar
á vista do Digno Objecto da Sua escolha :
doce illuzão ! Negros véos cobrem os tectos
desse Palacio, que foi como o Templo do nosso Genio de Paz; o pranto, os gemidos das
Princezas vêm de longe ferirem nossos ouvidos ; e o pobre, o panegirista da sensibilidade enternecida clama girando em torno
desta Cidade = perdemos tudo, morreo a Imperatriz. = Para que nos faz o Ceo tão grandes dons; se nos ha de privar da sua posse
no momento em que elles nos são mais necessarios ? Dura Lei ! Cruel necessidade! Nascer, crescer, morrer taes são os trez periodos em que se encerra assim. a vida mais
preciosa, como a mais inutil; a existencia
do Despota d’entranhas de ferro, e a bem
feitora existencia do Soberano, que se gloria
de ser ao mesmo tempo Rei, e homem sensivel.
A Imperial Corte de Vienna admirou no Throno do Grande Francisco I. Imperador d’Austria a Princeza Leopoldina que parecia destinada nas idéas da Providencia para gloria d’huma Nação, que vio sahir das margens do Tamisa para as do Tejo a Mai d’esses Principes, heroes de Ceuta , e de Tanger; descobridores de novos Oceanos, e d’outros Continentes : que nos ultimos dias vio tambem descer do Throno Austriaco aquella, que deu a Portugal hum Rei eternizado na sua Legislação regeneradora da Monarquia Portugueza. Na epoca em que a Europa começava á resurgir d’entre esses montões de ruinas, que os furores dos combates deixavão em todos os theatros da guerra: quando a Monarquia de Seus Avós justamente vaidoza pela honra da coalizão Soberana, levantava da humiliação os trofeos ganhados em tantas pelejas; quando se eclipsavão esses Reis d’hum momento; essas Princezas d’hum mentirozo sonho: quando o gigantesco Colosso do Imperio de Carlos Magno se debatia com horror pela segunda vez entre as mãos dos vingadores do sangue, e dos direitos d’Henrique IV., e de Luiz XIV.: quando em fim, a bella , a immortal , a sempre Augusta Maria Luiza depunha no conselho dos Reis a Coroa que recebera das mãos de Pio VII; o Todo Poderoso , o Soberano Arbitro dos Imperios , e das Nações estendia o Sceptro sobre a Princeza Leopoldina , e mandava ás ondas do Mediterraneo , e do Atlantico que se abrissem , e que deixassem passar a Espoza do Creador do quinto Imperio no Brasil; do novo Pedro do Sul , tão incansavel na carreira da Gloria como esse Pedro Grande que no meio dos gellos do Baltico ; nas dunas de Petersburgo fundou Cidades ; acolhéu as artes ; animou a industria , e traçou as linhas por onde o Commercio devia hir abracar-se com os povos dos dois mundos. Vinculou-se aos pes dos Altares a nova alliánça dos Principes nascidos hum para o outro : a Virtude deu a mão ao Valor ; a Modestia ao Enthusiasmo ; unirão-se as qualidades Politicas , e Religiozas : a Igreja Fluminense vio com mil transportes ,de prazer huma nova Pulqueria no Solo Americano , muito mais moça que a Princeza Oriental , mas como esta digna dos sceptros de todo o mundo. A benção Nupcial nos mostrou logo no Augusto Leito essa linda Princeza , que deve cingir sua frente com a Coroa do Senhor D. João VI. , e arrancar a Monarquia d’entre as facções , que teimosamente trabalhão em sua ruina: vimos depois o primeiro herdeiro do Scetro , que a morte, para não faltar ao sistema da sua fatal politica sobre os Primogenitos da Casa de Bragança , lançou sem vida no régaço da Princeza sua Mai: seguidamente fomos vendo nascerem as Paulas, as Januarias, as Franciscas , lindos Objectos da Expectação dos Principes da Europa , que na idade propria lhes offerecerão os seus Thronos. Vimos em fim apparecer o Herdeiro do Sceptro , da espada , do genio , e da intrepidez do Imperador; esse Principe nascido para o Throno ; mas onde he precizo que não suba senão depois de muitos , e prolongados annos.
Para que me lembrarei eu agora d’esse novo Principe , que não devia sahir do ventre Materno sem deixar ali escrita a Lei terminadora dos seus dias ? Apressando-se a rouba-la dos nossos corações , o Principe infringio a Lei de sua reclusão; sahio ao 3° mez , e entregou sua Augusta May ás convulsões da morte mais cruel. Que triste necessidade para huma May , não poder gozar deste nome sem se expor a perder , ou sem perder a vida !!! Que contraste ! o penhor da amizade conjugal he muitas vezes o assassino desta mesma amizade ! A presença d’hum novo Principe ainda mal organisado ; d’hum Principe, que a Imperatriz tanto dezejava ver na Jerarquia dos seus Irmãos , para hum dia marchar á gloria ao lado de seu Augusto Pai , sim esta presença hia progressivamente cortando as prisões de sua existencia. Ella conheceo que era forçoso deixar para sempre de ser May ; ella vio a imagem do tumulo aberto ; vio a Lei eterna , e abaixou sua cabeça com a mais heroica , e mais sublime resignação. Que instantes não vou eu agora reproduzir ! os mais bellos sem duvida que a Religião pode offerecer ; porem os mais proprios para rasgar os corações verdadeiramente sensiveis. Não ; o Brasil não dirá que não vio , como em outros seculos as Cortes de Constantinopla e de Roma , outras Melanias outras Olimpiadas ; outras Paulas , filhas dos Consules, e dos Senadores praticando os actos mais heroicos da Humildade Christaã: a Imperatriz pedindo com lagrimas perdão aos seus Criados ; desejando abraça-los sobre o seu coração; recommendando-lhes amor , e fidelidade ao Seu Augusto Esposo; a Imperatriz entregando Suas Filhas á mais zelosa das Suas Damas, [1] e dizendo-lhes que a respeitassem como Sua May .... a Imperatriz ... basta , hum igual expectaculo não he para as pequenas forças do coração humano. Seu Deos, Seu Augusto Esposo forão as unicas ideas , que ficarão diante de Sua alma, e na Sua boca ; entretanto que o seu Corpo soffria as dores mais crueis por huma lenta , e tormentosa decomposição. Os empenhos da Arte , auxiliadora da Natureza , não podião triunfar da maligna influencia de duas affeições imperiosamente oppostas ; o amor , e a enfermidade ; a Arte foi até onde podia hir; mas trabalhava em vão ; a morte conseguio a victoria ; e nós perdemos a Imperatriz.
Ninguem estranhará que eu me demore nesta funebre idéa, que tem feito a mais viva impressão sobre o povo desta Corte. Sim , nós perdemos a Imperatriz ; digo melhor , perdemos huma Princeza , que possuia os conhecimentos mais extraordinarios em quasi todos os ramos da Filosofia , e da Litteratura : conhecida pelos grandes sabios da Europa ; admirada pelo Illustre Naturalista o Barão de Humboldt ; louvada nas Academias Estrangeiras , o Idolo da Corte de Vienna , e de toda a Allemanha. Ella deixa ás suas Augustas Filhas huma Bibliotheca , rica pela escrupulosa escolha dos melhores Auctores; por muitos Manuscritos autografos ; por huma soberbissima collecção das melhores escollas de Pintura : deixa hum Gabinete de Historia Natural , onde existem as riquezas dos tres Reinos com mui pequenas faltas , que se hião encher. Nós perdemos huma Princeza , que sobre os seus talentos fazia apparecer os mais puros sentimentos da Religião ; sem estas desigualdades , que sempre acompanhão a Religião dos Principes; simples , sem luxo nos seus vestidos; obedecendo apenas ás Leis da etiqueta sobre o ornato da Sua Pessoa ; preferindo a lãa escura , e modesta ao brilho das sedas , e da purpura; Amiga do retiro; dividindo o tempo entre Seu Deos , e entre as obrigações de Esposa, e de May. Nós perdemos emfim huma Princeza affavel ; sempre carinhosa; amante da pobreza ; sempre disposta á socorrer os miseraveis , em cuja companhia Ella se considerava mais Soberana , do que no brilhante circulo dos Cortezãos , porque ali não via lisongeiros , porem homens, que só erão homens. Quando a Posteridade vier sentar-se sobre o Tumulo da Imperatriz para pronunciar o seu juizo, ella completará o elogio que a gratidão lhe consagra : no decurso dos tempos apparecerão novos testemunhos em abono de Suas grandes qualidades Moraes , e Religiosas. A Filosofia dirá que Ella não teve o orgulho das Sevignés , das Cottins , das Geoffrois , das Staes ; que possuindo o dom do discernimento em todos os objectos scientificos , ella despresava essa frivola ostentação, que foi sempre a enfermidade habitual do seu sexo : a Religião dirá , que Ella conheceo o seu verdadeiro espirito; a sublimidade da sua Essencia , e a santidade dos seus principios. Os Brasileiros dirão emfim , Ella foi extremosa
- ↑ A Eccellentissima Marqueza d’Aguiar , Camareira Mór , digna d’encher as grandes funcções de Madama. Campan , junto ás Princezas Imperiaes.