Mãos para trás, nervoso, colete desabotoado, a camisa aberta no pescoço taurino, o velho Jacinto, o sapateiro, andava de um lado para outro, com o inferno no coração. Nunca pensara que lhe acontecesse semelhante desastre. Aquela filha, que era seu encanto, o consolo da sua vida, deixar-se cair no infortúnio, entregando a sua honra a um indivíduo que ela não sabia, sequer, quem era!...
E vinham-lhe à imaginação os vinte anos passados, a infância da pequena, tão miúda, tão risonha, tão rechonchuda, com aqueles braços muito alvos, muito roliços, e aquelas duas covinhas no rosto.
Sentada na velha cama de gente pobre, Dona Januária fazia o seu "crochet" manejando a agulha com lentidão. A indignação do marido não lhe chegava à alma, que parecia tranqüila, serena, alheia à tempestade que abalava o companheiro. O que sucedera, parecia-lhe natural, esperado, inevitável. A Carminha era bonita e nova. Foi tentada e sucumbiu. Que havia de novo, nisso? E foi pensando assim, que pediu ao esposo:
— Sossega, Jacinto! Depois, o rapaz não foi ingrato: deu-lhe um anel de brilhantes que vale quase quinhentos mil réis!
— Quinhentos mil réis?... — fez o velho, com ironia. — Quinhentos mil réis pela honra de uma donzela!...
A essas vozes, Dona Januária atirou o "crochet" para um lado:
— Você acha pouco? Hein?... Você acha pouco?
E, de pé, as mãos nas cadeiras:
— Você não se lembra que só me deu, por muito favor, um par de sapatos, que não valia nem dez?