Há uns seres tão desafortunados por natureza, tão estranhos de se ver e ouvir, que seus simples aspectos são motivo de tristes estudos para uns e loucas zombarias para outros.
Muitos nem sempre foram assim: alguns passaram por algum tipo de trauma moral ou físico, outros, de tanto se renderem ao cansaço ou à preguiça, desceram alguns degraus e, dado o declive, não há por que parar de descer.
Outros ainda (o que é assustador para a humanidade) se tornaram assim sob a pressão de perseguições. – Não são maioria os que nasceram assim.
  Chechette era uma pobre mulher que sempre foi vista como velha e como louca. Duas obsevações maldosas por sujeitos pequenos e cruéis, que estão longe de respeitar uns aos outros
A casa de Chechette era o bosque; a despensa, o bosque; o ninho de sua infância, o refúgio de sua velhice, sempre o bosque.
  De onde ela vinha? Ninguém sabia, nem mesmo ela. A primeira vez que foi vista, já velha, ela estava saindo de um outro bosque onde sua mãe a havia criado e havia acabado de morrer.
Chechette amava sua mãe à sua própria maneira. Ela partiu para um outro vilarejo e se instalou no meio da floresta.
Era uma estranha criatura, sem dúvida uma das últimas crias de algum grupo nômade.
  Enquanto o verão durava, ela se alimentava de frutas selvagens e, durante o inverno, ela tinha sua despensa, onde estavam enfurnadas suas frutas de sorveira, noz de faia, suas bolotas e todas as riquezas da floresta.
Às vezes, esquilos, javalis e ratos visitavam sua despensa, já que a pedra que lhe servia de abrigo mal a cobria... Se, ao retornar de um passeio longo ela não encontrasse mais nada, Chechette recomeçava suas buscas por alimentos.
Quando isso acontecia no inverno, ela ia ao vilarejo e pedia pão.
Uns tinham piedade da pobre louca e preenchiam os trapos que lhe serviam de avental ou davam outras vestes; a estes, ela desejava, em sua própria língua, uma infinidade de belas coisas.
Outros zombavam dela. Então Chechette emitia um grunhido bastante expressivo; era possivelmente a sua maneira de desejar o mal.
  A comida que lhe davam, um pouco menos grosseira que a própria, lhe parecia uma sequência de banquetes enquanto duravam. Às vezes, tendo comido muito no começo, ela dormia por um longo período de tempo, igual a cobras e lagartos.
A forma das vestes lhe era indiferente, homem ou mulher, pouco importava; mas ela amava os adornos, sobretudo quando eram coisas que brilhavam.
Às vezes crianças maldosas ofereciam vestes ornadas de guizos ou outras coisas ridículas; mas se por algum infortúnio acabassem rindo, Chechette lhes arremessava as vestes na cara;
frequentemente ela conseguia identificar más intenções sem a necessidade das risadas, já que ela tinha um instinto bem desenvolvido.
  Quem viu as estátuas caricatas da idade média tem alguma noção de como era Chechette.
Ela era terrivelmente coxa e tão vesga, mas tão vesga que seu olho esquerdo quase sumia.	Sua boca, bem aberta, mostrava todos os dentes como um orangotango, ou um gorila.
Suas mãos eram enormes, nodosas e peludas, seus pés eram gigantes, uma crina espessa de cabelos ruivos que desciam até quase os cílios, tudo nela lembrava os mais grotescos Gnomos, os mais horrendos macacos.
A criatura se apegava fácil, ela amava como um cachorro e é verdade que ela já tinha mordido como um.
Ela não voltava atrás com suas simpatias nem suas antipatias.
  Quanto aos animais selvagens, eles nunca atacaram Chechette, a tomando, sem dúvida, por um membro da família.
A pessoa com quem ela, até então, teve maior afeto foi uma pobre viúva, mãe de três crianças.
Assim que Madelene Germain ia buscar galhos secos, Chechette se dispunha a ajudá-la a fazer os fardos, sempre enormes, que eram levados para casa com uma curiosa facilidade.
O bosque era o seu domínio; lá ela tinha um aspecto totalmente diferente do que no vilarejo. Ali, Chechette parecia mais um ser sobrenatural do que um ser grotesco.
  Os maldosos do vilarejo zombavam muito Madeleine por esta amizade; eles riam, sobretudo, quando ela deixava a velha horrenda aninhar os seus filhos pequenos, que pareciam brincar com um cão fiel, em seus longos braços.
Eles não riam menos alegremente e Madeleine pouco se importava das zombarias maldosas.
  Em uma noite de verão, todos dormiam profundamente depois do cansaço de uma longa tarde de trabalho árduo nos campos, apenas um grito e todos se levantaram na roça: Fogo! Fogo!
Por que será que qualquer outro perigo que pudesse atingir seus semelhantes deixavam os habitantes da roça tão indiferentes?
Era horrível acreditar que fosse um sentimento de egoísmo, porque em um incêndio cada um está preocupado com a própria casa. Ainda assim, havia alguns azarados que passavam muito tempo gritando por ajuda, mas acabavam morrendo sem nenhum socorro.
Essa noite, como gritavam fogo, todos se levantaram imediatamente.
   A casa de Madeleine queimava como uma tocha; - uma de suas crianças, enquanto brincava, acendeu um pequeno fogo perto de uma porta e, durante a noite, a pobre cabana de madeira e palha ardeu em chamas.
Foi feita uma corrente para bombear água, mas o fogo não diminuía.
Madeleine segurava em seus braços dois filhos e lutava, desesperada, contra todos aqueles que tentavam impedi-la de buscar o terceiro em meio às chamas.
Todos pensavam que ele já estava perdido.
  De repente viu-se alguém entrar em meio às chamas; era Chechette. Ela viu que faltava uma criança. As vigas carbonizadas desabaram em um estrondo, a chama turbilhonava orgulhosa e triunfante, balançando suas mil línguas para o céu.
Alguns instantes passaram. Chechette reapareceu, ela segurava a criança em seus braços e a colocou em frente à mãe, desmaiada.
Ela ficava bela assim, essa pobre louca, neste ato devoto que lhe custaria a vida.Seus cabelos, seu rosto, seu corpo inteiro estava coberto de grandes queimaduras, seu olho brilhava com uma felicidade infinita.
  Chechette, esgotada, caiu para nunca mais levantar. Quanto à criança, ela acordou facilmente, pois Chechette a havia protegido com seus trapos e seu corpo.
Ainda hoje, Madeleine e seus filhos vão ao cemitério, levar à relva que cobre a pobre velha, as flores do bosque que ela tanto amava.
Nunca zombe dos loucos nem dos velhos.