Cinco anos decorreram depois dos tristes acontecimentos que acabamos de narrar.
Estamos na Praça do Comércio.
Naquele tempo não havia, como hoje, corretores e zangões, atravessadores, agiotas, vendedores de dividendos, roedores de cordas, emitidores de ações; todos esses tipos modernos, importados do estrangeiro e aperfeiçoados pelo talento natural.
Em compensação, porém, ali se faziam todas as transações avultadas; aí se tratavam todos os negócios importantes com uma lisura e uma boa-fé que se tornou proverbial à praça do Rio de Janeiro.
Eram três horas da tarde.
A praça ia fechar-se; os negócios do dia estavam concluídos; e dentro das colunas que formam a entrada do edifício, poucas pessoas ainda restavam.
Entre estas notava-se um negociante, que passeava lentamente ao comprido do saguão, e que por momentos chegava-se à calçada e lançava um olhar pela rua Direita.
Era um moço que teria quando muito trinta anos, de alta estatura e de um porte elegante, à primeira vista parecia estrangeiro.
Tinha uma dessas feições graves e severas que impõem respeito e inspiram ao mesmo tempo a afeição e a simpatia. Sua barba, de um louro cinzento, cobria-lhe todo o rosto e disfarçava os seus traços distintos. A fronte larga e reflexiva, um pouco curvada pelo hábito do trabalho e da meditação, e o seu olhar fixo e profundo, revelavam uma vontade calma, mas firme e tenaz.
A expressão de tristeza e ao mesmo tempo de resignação que respirava nessa fisionomia, devia traduzir a sua vida; ao menos fazia pressentir na sua existência o predomínio de uma necessidade imperiosa, de um dever, talvez de uma fatalidade.
Ninguém na praça conhecia esse moço, que aí aparecera havia pouco tempo; mas as suas maneiras eram tão finas, os seus negócios tão claros e sempre à vista, as suas transações tão lisas, que os negociantes nem lhe perguntavam o seu nome para aceitarem o objeto que ele lhes oferecia.
Todas as pessoas já tinham partido e ficara apenas o moço, que sem dúvida esperava alguém; entretanto, ou porque ainda não tivesse chegado a hora aprazada, ou porque já estivesse habituado a constranger-se, não dava o menor sinal de impaciência.
Finalmente a pessoa esperada apontou na entrada da rua do Sabão e aproximou-se rapidamente.
A senhora, que talvez tenha imaginado um personagem de grande importância vai decerto sofrer uma decepção quando souber que o desconhecido era apenas um mocinho de dezenove para vinte anos.
Um observador ou um homem prático, o que vale a mesma coisa, reconheceria nele à primeira vista um desses virtuose do comércio, como então havia muitos nesta boa cidade do Rio de Janeiro.
A classificação é nova e precisa uma explicação.
A lei, a sociedade e a polícia estão no mau costume de exigir que cada homem tenha uma profissão; donde provém esta exigência absurda não sei eu, mas o fato é que ela existe, contra a opinião de muita gente.
Ora, não é uma coisa tão fácil, como se supõe, o ter uma profissão. Apesar do novo progresso econômico da divisão do trabalho, que multiplicou infinitamente as indústrias e, por conseguinte, as profissões, a questão ainda é bem difícil de resolver para aqueles que não querem trabalhar.
Ter uma profissão quando se trabalha, isto é simples e natural, mas ter uma profissão honesta e decente sem trabalhar, eis o sonho dourado de muita gente, eis o problema de Arquimedes para certos homens que seguem a religião do “dolce far niente”.
O problema se resolveu simplesmente.
Há uma profissão, cujo nome é tão vago, tão genérico, que pode abranger tudo. Falo da profissão de negociante.
Quando um moço não quer abraçar alguma profissão trabalhosa, diz-se negociante, isto é, ocupado em tratar dos seus negócios.
Um maço de papéis na algibeira, meia hora de estação na Praça do Comércio, ar atarefado, são as condições do ofício.
Mediante estas condições o nosso homem é tido e havido como negociante; pode passear pela rua do Ouvidor, apresentar-se nos salões e nos teatros.
Quando perguntarem quem é este moço bem vestido, elegante, de maneiras tão afáveis, responderão — É um negociante.
Eis o que eu chamo virtuose do comércio, isto é, homens que cultivam a indústria mercantil por curiosidade, por simples desfastio, para ter uma profissão.
É tempo de voltar dessa longa digressão, que a senhora deve ter achado muito aborrecida.
O mocinho negociante, tendo chegado à Praça do Comércio, tomou o braço da pessoa que o esperava, dizendo-lhe:
— Está tudo arranjado.
— Seriamente? exclamou o outro moço, cujos olhos brilharam de alegria.
— Pois duvidas!
— Então, amanhã...
— Ao meio-dia.
— Obrigado! disse o moço, apertando a mão de seu companheiro com efusão.
— Obrigado, por quê? O que fiz vale a pena de agradecer? Ora, adeus!... Vem jantar comigo.
— Não, acompanho-te até lá; mas preciso estar às quatro horas em minha casa.
Os dois moços de braço dado dobraram o canto da rua Direita.