Suspiros poéticos e saudades (1865)/A Biblia, em um dia de tristeza

É qual estreito vaso o peito humano,
Que trasborda, ou se quebra, se fermenta
O veneno que encerra.

De gota em gota o fel da desventura
N'alma a tristeza vai-nos embebendo,
Té que o corpo converte-se em masmorra,
De que a alma fugir busca.

Oh! quem vê uma flor que em prado brilha,
Parecendo exalar vida, e doçura,
E rir-se em cada pétala viçosa,
Acaso dizer pode
Se ela foi pela serpe inficionada?
Se em vez de vida, a morte só lhe lavra
O delicado estame?


Quem pode ver o formigueiro oculto,
Que o humano coração rói, e lacera?
Se eu sofro, ou não, só eu, só Deus o sabe.
Mas feliz quem nos seios de sua alma
Acha uma grande idéia que o consola,
Como uma taça de suave néctar,
Que lhe acalma as entranhas sequiosas.

Quem se resigna à dor não sofre tanto.
Que veneno aí há que um bem não faça?
Ou que remédio que não cause um dano,
Segundo o caso, e leve circunstância,
Que à vista perspicaz escapa às vezes?
Não, não és tu, Filosofia humana,
Quem me robora o peito!
Sábias lições de sofrimento ditas;
Mas o valor acaso dar tu podes?
Quantas vezes o mal frustra a ciência!
Pura fonte conheço, inexaurível,
Onde sempre o infeliz adoça as dores.

Livro sagrado,
Vem consolar-me,
Vem saciar-me

Na minha dor.
Meu peito ansiado
De ti carece,
Sem ti falece
O meu vigor.

A ti recorro
Triste e sedento,
Que este tormento
Me faz gemer.

Dá-me socorro
No mal extremo,
Vem, senão temo
À dor ceder.

Cada palavra,
Que me vás dando,
É qual um brando,
Suave mel.
Já em mim lavra
A paz do empíreo;
Do meu martírio
Se adoça o fel.

Julho de 1836