Suspiros poéticos e saudades (1865)/O Homem probo Evaristo Ferreira da Veiga

Tudo está profanado!
As vestes da virtude o vício adornam;
Da lisonja nas aras arde o incenso
Que só devera embalsamar o templo!
Murchas flores, que a fronte ao vício ornaram,
Atiram-se em despeito ao altar do Eterno.

Tudo está profanado!
Levanta a estupidez a hirsuta coma

Coberta de poeira,
E a sacode no rosto da Ciência,
Ou no alcáçar da lei se assenta ufana;
A Moral a seus pés serve de sólio,
De cúpula o capricho.

Tudo está profanado!
A cívica coroa
Dá-se à ambição, que sobe intumescida
Como a onda do mar, e tudo alaga.
Exauriram-se os nomes das virtudes,
E um só não há que ao crime se não desse.
Os lugares são prêmios da baixeza,
Da feia adulação, da vil intriga!
O hino cantam da vitória; e a Pátria
Geme aflita co'o peso da ignorância
Dos homens, cuja estrela é o egoísmo;
E até a lira, para mor opróbrio,
Vendidos sons só verte!

Tudo está profanado!
Como posso louvar-te, ilustre Veiga,

Santuário da honra foragida?
Que nome te darei? que flor? que incenso?
Como o bronze que soa em torre excelsa,
Chamando a Deus os homens,
Tu bradaste, pregaste o amor da Pátria;
A teus brados os homens surdos foram,
E tu enrouqueceste.

Apóstolo da ordem,
Caíste, enfim caíste! — Mas com glória!
Caíste, mas sem nódoa! Sim, caíste!
Mas Sócrates também sofreu a morte!

Qual se vê nas cidades arrasadas,
O templo solitário, esparsos bustos,
Rotas colunas, capitéis dispersos,
Combros de terra, montes de ruínas;
E no meio, inda envolta de poeira,
Uma estátua, que o tempo respeitara,
E que os olhos atrai do peregrino;
Assim te eu vejo em pé! e assim um dia
A geração futura, pesquisando
No meio das relíquias desta idade

Alguma cousa inteira, pura e bela,
Sacudirá o pó, que hoje te lançam,
E dirá: Eis aqui um Homem probo.

Mas que digo? — Ainda vives!
Envenena-se a flor, se a serpe a morde,
E a virtude definha, conculcada!

Mas tu amas a Pátria, como eu amo;
Amas com amor puro,
Sem mescla de interesse, como se ama
Uma mãe terna, que não tem tesouros,
Mas só lágrimas tem para legar-nos.
Ah! praza ao céu que a estrada em que brilhaste,
Seja aquela em que morras. [1]

Notas do autor

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  1. E assim foi.