A historia do Brasil escripta pelo Dr. Jeremias no anno de 2862

COMMUNICADO.


A HISTORIA DO BRASIL ESCRIPTA PELO
Dr. JEREMIAS NO ANNO DE 2862

S. Erancisco 20 DE NOVEMBRO DE 2862.

Aqui cheguei hontem pelo caminho de ferro. S. Francisco é uma cidade secundaria dos Estados-Unidos-Brazileiros. Só tem quatro leguas de comprimento e trez de largura. Sua população, conforme o recenseamento feito hontem ao meio dia, é de 3:964:632 habitantes; o de hoje , porém, talvez dê menos por causa de uma epidemia, que começou a desenvolver-se esta noite.

S. Francisco está edificada sobre as rochas graniticas porcima das quaes quebrava-se outrora a celebre cachoeira, denominada Paulo Affonso. Para facilitar a navegação á electricidade — a navegação á muitos seculos que foi abandonada por sua morosidade — deu-se ao rio um outro leito, e ficando a cachoreira em secco entulharão-se os seus pégos e profundos abysmos para formar-se o assento da cidade.

Neste momento 4 horas da tarde chego da casa dos livreiros Dracon, Braga & C.ª, que acabão de expor à venda uma obra de summa importancia: — a Historia do Brazil pelo Dr. Jeremias. O autografo foi a typographia esta manhã, e já se acha composto, impresso, encardenado e publicado. E' portanto a historia mais moderna que existe publicada até o presente. Comprei um exemplar por 648 reis. Compõe-se de 162 grossos volumes in folio, impressos em typos finos, sem margens, sem folhas ou espaços em branco, afim de economisar o material, e não succeder como fazião os editores da antiguidade, que vendião mais papel limpo do que livros. Os editores da obra. de que fallo, são homens de consciencia.

E' um trabalho monumental. O Dr. Jeremias gastou dois mezes e quatro dias na sua composição ! Occupado constantemente com a sua empresa, não poupou sacrificios. Viajou o mundo inteiro colhendo documentos historicos: revolveu as ruinas de Londres, de Pariz, de Hamburgo, de Bruxellas, de Lisboa, e de outras cidades tão florescentes nos tempos antigos; em uma palavra todo lugarejo, onde suppunha que poderia encontrar algum esclarecimento, foi visitado. Graças aos progressos da civilização hoje são tão faceis essas investigações ! A electricidade: — tal é a grande alavanca do seculo.

O Dr. Jeremias é um escriptor de vasta erudição. Falla perfeitamente um milhão de linguas, sabe cabalmente dois milhões de sciencias, e trez milhões de artes e officios. Sua — Historia do Brazil — é completa e imparcial, minuciosa comprehende o espaço de 1362 annos, 4 mezes, 8 dias e 26 minutos, isto é começa no descobrimento do Brazil e termina-se no momento em que elle deixara a penna de historiados. Todos os factos importantes occorridos nesse espaço de tempo ahi são relatados com toda a imparcialidade. Digo « importantes » porque o Dr. jeremias para não fatigar o leitor não desce á minudencias que nenhum influxo tiverão nos progressos da civilisação brazileira.

Para dar uma idéa desta obra, vou abrir ao acaso um de seus volumes, e transcrever algum trecho. Deparei com o volume 94º; abri á pag. 2680. Eis um capitulo; é o MMMMDXCVI; tem por titulo — Segundo reinado de Bragança — Pedro II.

Transcreveremos esse capitulo. E' pouco extenso: o menor da obra.

« Depois da abdicação de Pedro I em 1831 succedeu-lho pedro II, que só tomou as redeas do governo em 1840, quando foi julgado maior por um acto inconstitucional da assembléa legislativa, não tendo elle ainda a idade legal. Pedro II subira ao throno pisando a constituição: os homens politicos enxergarão neste facto um máu agouro para o futuro; previrão que ella não havia de ser respeitada, e desgraçadamente seus pressentimentos não falharão.

« Este reinado nada offerece de importante. A civilisação se não retrogradou, tambem não deu um passo para adiante por impulso do governo. E nada vida dos povos quando uma nação fica estacionaria parece retrogradar.

« Miserias e corrupção »: devera ser a epigraphe deste capitulo.

« O segundo reinado significa um ensaio infructifero . que fizerão os brasileiros do systema representativo. A constituição jurada pelo povo em 1825, com suas reformas e interpretações posteriores, nunca foi respeitada. A separação e independencia dos poderes foi sempre burlada. O executivo absorvera todos os outros. Era o governo despotico, e tanto mais intoleravel quanto elle sabia encobrir-se com o manto da constitucionalidade. Os brasileiros applaudião, embasbacados com as palavras sonoras, pomposas, sesquipedaes do regimen representativo.

« A camara dos deputados , que devia elevar-se á altura da honrosa missão, de que se achava encarregada pelo povo, curvava-se submissa aó menor aceno do governo. O senado, composto em geral de homens ineptos, que ali tomavão um assento não por serviços prestados ao paiz, mas por intrigas e influxo de reposteiros e criados aulicos, era inimigo de todo o progresso, descuidado, negligente, sem patriotismo, era esse o caraacter dominante dos corpos vitalicios, que existirão na antiguidade. Felizmente hoje só ha um senado vitalicio em Tombocutú, e ahi mesmo já appareceu um projecto, que se descute, para torná-lo temperario.

« — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — inepcia — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — sensualidade — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — dividir para reinar — — — — — — — — — — — — — — — — — — — ([1])

« Em consequencia o imperio estava sempre dividido em dois partidos rivaes , constantemente em luta renhida e porfiada; divergentes em idéas e principios? não; divergentes no systema de governo ? não; disputavão sobre o poder ? não. Disputavão o poder.

« Nos altos empregos da justiça dominava a mais escandalosa venalidade. Muitos magistrados recebião dinheiro das partes litigantes para darem seu voto à favor da que melhor pagava.

« O povo gemia sobrecarregado de immensos impostos, que tomavão differentes denominações, para encobrir-se odiosidade como tarifas, taxas, sellos, direitos, lotação, e outras. As povoações, disseminadas em um vasto territorio, separadas umas das outras. isoladas por falta de vias de communicação, ompebrecidas pelo vampiro do fisco que sugava-lhe toda a vitalidade, o pprimidas pelos mandões, que lhes enviava o governo central para governá-las, definhavão á mingua dormindo indolentes o somno da escravidão sobre as immensas riquezas alastradas no abençoado solo brasileiro, e que não podião expiorar por não terem meios para a exportação de seus productos.

« E porque não havia de ser assim ? A maior parte das rendas publicas erão despendidas com a sustentação da còrte, com sinccuras ruinosas, em obras puramente de luxo, que só servião para embellezar a capital. E na verdade o Rio de Janeiro tornara-se para aquelle tempo uma cidade importantissima, como ainda demonstrão suas ruinas. Veem-se ainda os restos das casas de correção e moeda, da casa da misericordia, do hospicio de Pedro II e de tantos outros monumentos; só não existem os da estatua equestre, cujo bronze em 2462 foi vendido á companhia — Progresso-Electrico —, organisada para a abertura do isthmo do Paraná.

Assim ia o Brasil, quando em 1863 um partido politico. desgostoso por ter sido arredado do poder de qque estava de posse á 14 annos, excitou uma revolução em todo o imperio, e então . . . . . . . . . . . . . . . »

Não posso continuar a transcripção por falta de espaço; mas por este trecho já se pode avaliar o merito da historia do Dr. Jeremias.

Este material está em domínio público nos Estados Unidos e demais países que protejam os direitos autorais por cem anos (ou menos) após a morte do autor.

 
  1. Não pude ler este trecho da obra do Dr. Jeremias, por ter falhado a tinta. Só á muito custo, pude decifrar as palavras, que ficão transcriptas. E' pena; hade ser interessante.