— Meu pai, que ilha é aquela, que às vezes à tarde lá se avista ao longe, tão longe que mais parece a popa de um navio, que lá se vai mar afora…?

Assim perguntava um rapazote de quinze a dezesseis anos a seu pai, velho pescador que, sentado em uma tripeça formada de uma vértebra de baleia, se ocupava em concertar as malhas de sua rede de pescaria.

O velho abanou a cabeça e nada respondeu.

O curioso menino prosseguiu:

— Aquilo me faz cismar; dizem que é uma ilha em volta da qual o mar está sempre a ferver, e que ninguém lá pode chegar. Tenho perguntado a todo mundo, e ninguém me sabe contar o que ela é. Dizem que é uma ilha encantada, e que não há força de remo nem de velas que possa lá fazer aproar um barco. Quando se vai chegando perto, avista-se uma moça muito bonita, vestida de branco, e cantando cantigas, as mais lindas, que se pode imaginar; mas é escusado querer lá chegar; a ilha vai fugindo, fugindo sempre. Meu pai não saberá me dizer o que vem a ser a tal ilha…?

— Eu, meu filho…? Talvez — respondeu o velho hesitando —, mas para que queres tu saber…?

— Não sei, meu pai… mas tenho tanta vontade de saber…! Aquela ilha não me sai do pensamento.

Era isto em tempos que já vão longe, em uma bronca e quase deserta enseada dos mares do sul, não longe da famosa e pitoresca baía de Santos, na província de São Paulo. Os dois interlocutores se achavam junto a uma tosca choupana de pescador. O sol já ia se escondendo por trás desse imenso e alteroso cordão de montanhas, chamado serra do mar; a sombra que delas descia projetava-se já por toda a extensão das praias, ao longo das quais o mar se estirava preguiçoso, desmanchando-se em alvos flocos de espuma, enquanto os derradeiros raios do sol, que transmontava, resvalando por uma dos topes alcantilados da serrania, iam espanejar-se ao longe pelo oceano, estendendo-lhe uma rede de ouro sobre o dorso enrugado.

A pouca distância da praia entre os mangues e matagais do litoral erguia-se vicejante colina, que se boleava graciosamente à maneira de uma cúpula.

No cimo dessa colina alçava-se singela e alva capelinha, semelhando à pomba da arca da aliança, que, depois de ter pairado longo tempo sobre as águas, veio pousar sobre os montes.

Em torno da capela algumas toscas e modestas vivendas formavam uma pequena aldeia habitada por pescadores.

A tarde corria tépida e tranquila; o mar balançava-se frouxamente pelas longas praias, e os pescadores, que voltavam da faina diurna, amarravam seus batéis mesclando coplas de amor e de saudade aos monótonos e compassados bramidos do oceano.

Em tais lugares e a tais horas quem, estando sozinho, não ficaria a cismar engolfando o pensamento nas profundezas do infinito?

E quem não quisesse cismar, se poria a cantarolar alguma xácara melancólica, como faziam alguns pescadores.

E quem não quisesse cismar, ou não soubesse cantar, folgaria de ouvir algum desses contos fantásticos, com que os velhos, às vezes tão crédulos como as próprias crianças, sabem embalar-lhes a imaginação.

O rapazote, de que falamos, achava-se neste último caso; estava ansioso por ouvir alguma história bonita, principalmente se fosse a dessa ilha encantada, de que tanto ouvia falar, e que há muito tempo lhe preocupava a imaginação. Portanto apertava com o velho para que lhe contasse.

— Meu filho — respondeu por fim o velho pescador já fatigado das importunações do filho —, aquela ilha, que tanto me dá que pensar, é o Castelo da sereia, ou a Ilha da maldição. Aquele pequeno ponto, que lá vês nos confins dos mares, e que não é tão pequeno como daqui te parece, foi a fonte de muitas lágrimas e desgraças, e tem sido a causa de muito desastre para os habitantes deste lugar. Melhor seria que nunca quisesses saber a história do que por lá se tem passado.

— Pois que mal faz sabê-la, meu pai…?

— Que mal…! Ah! Meu filho, és ainda muito criança, e a curiosidade própria da tua idade pode despertar em teu coração o desejo de lá ir, e te acontecerá o mesmo que tem acontecido a outros rapazes imprudentes e curiosos demais.

— E o que é que lhes tem acontecido?

— Vão e nunca mais voltam.

O rapaz ficou pensativo por alguns instantes.

— Mas, meu pai — prosseguiu ele —, eu não desejo por forma alguma pôr pé nessa ilha; Deus me livre de tal. O que eu queria era ver de longe essa moça e ouvir a cantiga, como dizem que muitos têm visto e ouvido.

— Que dizes, menino…? Deus te defenda.

É certo que alguns têm-se avizinhado da ilha a ponto de ver essa moça e ouvir-lhe o canto; mas são bem poucos. O que é de crer é que nesse lugar malsinado mora uma sereia, fada ou alma penada, que anda a cumprir um fadário de maldição; e ai daquele de quem ela se agrada! Se cai na imprudência de aproximar-se da ilha, uma onda traiçoeira, que de certo obedece aos conjuros da maldita, arrasta o barco do infeliz, que lá vai esbarrar no rochedo fatal, onde fica para todo o sempre.

— Mas eu bem podia ver a moça…

— A moça, tolinho…? Sabes tu o que ela é? Se é mágica, feiticeira, serpente ou o próprio satanás…?

— Pois bem, meu pai, eu juro que nunca tentarei lá pôr os pés; pelo contrário, fugirei dessa ilha o mais que puder. Mas se meu pai sabe essa história, que mal faz me contá-la? Deve ser bem bonita.

— Não sei se é bonita ou feia, só sei que é verdadeira. E em fim de contas — continuou o velho depois de um instante de reflexão —, melhor é mesmo que te conte; é bom conhecer o perigo para saber fugir dele. Mas, já te disse, fica certo que não é nenhuma história da carochinha, como essas que em pequenino te contavam; é uma história verdadeira, uma história acontecida aqui para a desgraça e escarmento deste bom povo. Meu pai, que a ouviu de seu pai, a contou a teu pai, de cuja boca agora vais ouvi-la. Dá-me toda a atenção, meu filho, e ficarás sabendo que quando fores grande, e soltares teu barco ao mar, deves vogar bem longe, ouviste? Bem longe da ilha maldita.

E ao bramido das ondas, que se quebravam brandamente ao longo das praias, o velho pescador contava a seu filho a história, que eu por minha vez vou contar-vos, ó leitores, não com essa linguagem tosca e singela, mas por certo pitoresca e animada, que empregaria o pescador, e que eu debalde procuraria imitar, mas revestidas dos andrajos que minha pobre musa vai lhe emprestar. Bem sei que todas as galas e louçanias do mais polido estilo, todos os recursos da mais fecunda e brilhante fantasia não poderiam suprir o vigor e a frescura de colorido, a vivacidade e energia de expressão, que devia ter a linguagem do velho narrador, cujo espírito era impressionado pela quase atualidade dos acontecimentos que contava e pela presença do grandioso panorama dos sítios que deles foram teatro.

E que mais posso eu fazer…? Não me sendo possível falar uma língua, que me é desconhecida, usarei daquela, que me é familiar. Portanto os leitores não tenham este escrito como fiel reprodução do que dissera o pescador, mas sim como tradução livre e ampliada da história que durante alguns serões contou a seu filho.