Já regina contava mais de doze anos, e à medida que avançava em idade, cresciam-lhe também cada vez mais esplêndidos e luxuriantes os atrativos da figura e os encantos do espírito. Em vez, porém, de se tornar mais tímida e cordata ao aproximar-se a puberdade, seus caprichos e travessuras foram tomando proporções mais amplas, voos mais arrojados e bem pouco tranquilizadores para a pobre Felisbina.

Senhora de um barquinho, não tardou muito em aventurar-se ao largo em perigosas excursões, que duravam às vezes longas horas, deixando a madrinha entregue à mais ansiosa inquietação. Quando a branca velinha perdida entre as ondulações da vaga, mal se divisava ao longe como um floco de espuma, e ia até sumir-se de todo nos remotos horizontes, Felisbina pensava que seu coração cessava de bater, e que a alma também se lhe ia fugindo do corpo, e perdendo-se pelos limbos da eternidade. Então prorrompia em lastimosas exclamações, praguejava, e maldizia mil e uma vezes suas fatais fraquezas e condescendências. Mas a velinha reaparecia no horizonte, e o prazer que sentia a boa velha ao ver de volta e livre do perigo a sua querida sereia, fazia-lhe esquecer as mágoas e os sustos passados.

Assim Regina, como o passarinho novo, que ensaia as asas, que apenas lhe despontam, ia pouco a pouco estendendo suas correrias marítimas e, dando longas voltas a fim de disfarçar seu intento aos olhos da solícita madrinha, não deixava de avizinhar quanto lhe era possível da ilha maldita, que para ela era a ilha afortunada. Queria observar-lhe de mais perto a figura e os contornos para um dia poder a ela dirigir afoitamente a proa e nela desembarcar.

Não tiveram, porém, de durar por muito tempo essas tímidas e cautelosas tentativas da donzela para reconhecer e desembarcar na ilha, porque tanto suspirava. Passados poucos meses depois que Regina tivera o seu pequeno batel, Felisbina vergada pelo peso dos anos, moléstias e trabalhos, foi repousar dos cuidados da vida à sombra da cruz no cemitério da aldeia. Apesar de seu gênio indócil, trêfego e livre como as auras do céu, Regina tinha coração sensível e grato, e chorou com lágrimas sinceras o passamento de sua benfeitora. A velha, vendo avizinhar-se a hora extrema, lhe tinha legado de viva voz sua cabana com todos os seus pertences.

Ali nessa singela choupana, tornada desde então mais simples e solitária ainda, continuou Regina a viver sua vida singular e misteriosa.

— Agora que me acho sozinha no mundo — pensou ela consigo —, pertenço toda ao mar; o mar foi o meu berço; ele será também o meu abrigo na vida, e minha sepultura na morte.

Algumas mulheres compassivas e amigas da defunta, vendo a pobre órfã tão só e desamparada no mundo, a convidaram para sua companhia; Regina, porém, recusou obstinadamente todos os oferecimentos que lhe foram feitos.

— Depois da boa mulher que a morte me roubou — dizia ela —, não devo nem quero prestar obediência a mais ninguém. Já sou grande e saberei governar-me a mim mesma e fazer-me respeitar. Não tive pai, nem mãe na terra; parece que o mar me gerou de seu seio; a ele, pois, confio de hoje em diante o meu destino; quero viver só com ele, e livre como ele.

Assim o disse e assim o executou.

Às vezes, nas tardes serenas, via-se resvalando pela superfície das vagas douradas pelos fulgores do sol poente uma ligeira e esguia piroga que se alargava pelo mar avante até quase perder-se de vista, demandando afoita o rumo da ilha malsinada, que era o terror dos navegantes. Sobre a popa desenhava-se o busto de uma donzela de maravilhosa beleza, vestida de azul, tendo a fronte cingida de uma grinalda de alvos lírios e os longos cabelos a flutuarem à mercê das vibrações do mar.

Quando a piroga ia ganhando o largo, ouvia-se um harmonioso e suavíssimo canto, que pouco e pouco ia morrendo em distância entre o frêmito das vagas a se quebrarem ao longo dos areais.

Era Regina, era a filha do mar, que lá ia em seu barquinho aventureiro. O que iria ela fazer, essa mimosa e delicada donzela, em uma frágil piroga, o que iria ela fazer naquelas perigosas paragens, para onde nem os mais robustos e destemidos barqueiros ousavam encaminhar-se?

Ninguém o sabia, mas todos a uma voz diziam benzendo-se: “É ela, é a filha da sereia que lá se vai para sua ilha maldita!”. E o povo cada vez se tornava mais firme na crença de que Regina não era uma criatura pertencente à humanidade, mas apenas uma linda e mimosa figura, animada por um espírito diabólico, que não podia ser outra senão a sereia ou fada, que morava na ilha flutuante, ou pelo menos filha dela. E todos, portanto, ao avistarem a donzela, a despeito de seus encantos, sentiam o mesmo terror que lhes inspirava a sinistra penedia.

Regina, entretanto, bem poucas vezes se apresentava na aldeia, e quase nenhumas relações entretinha com os habitantes daquelas costas. Sabia que formavam dela o mais desfavorável conceito, que a temiam e execravam como fada malfazeja que agourentava tudo em que punha os olhos.

Mas não lhe doía isso muito a alma, pois se bem que não nutrisse ainda sentimento algum de ódio ou malevolência, como sereia que era, e filha do mar, tinha certo desdém e repugnância instintiva por tudo quanto era da terra.

Quando, porém, acontecia andar pela aldeia e entreter-se algumas horas com as famílias dos pescadores, era como uma visão deslumbrante que em todos excitava o mais vivo interesse, curiosidade e assombro. Se sua beleza enlevava os olhos de todos, se suas cantigas arrebatavam, sua amabilidade lhana e desafetada, os encantos de seu espírito, a graça de sua conversação ganhavam todos os corações.

— Oh! Não; uma menina assim não pode ser uma fada cruel e malfazeja; é mais fácil ser um anjo do céu — diziam as mulheres, enquanto a tinham diante dos olhos. Quando, porém, se ausentava, não sentindo mais o prestígio daquela beleza fascinadora, daquela voz e maneiras adoráveis, recordando os sinistros mistérios e estranhas tradições que envolviam a existência de Regina, voltavam-lhes ao espírito todas as antigas cismas e prevenções.

— Forte pena! — exclamavam então. — Uma tão linda menina, com tantas prendas e tão boas maneiras, e ter no corpo o espírito maléfico…!

— Mas ela é batizada — ponderava um ou outro —, foi a tia Felisbina que lhe serviu de madrinha e pôs-lhe na mão a vela benta. Talvez algum padre santo possa com esconjuros e orações tirar-lhe do corpo o espírito mau.

— Não creiam nisso — respondiam as velhas experientes —, o batismo não pode tirar o diabo do corpo de quem já nasceu com ele herdado de seus pais. As sereias não são criaturas de Deus; nem são geradas e nascidas como nós; nascem no mar por artifícios de Lúcifer, que lhes dá a figura de formosas donzelas e manda um demônio habitar no corpo delas para tentar e afligir a humanidade.

— Cruz…! Abrenuncio! — repetiam todos. — Deus nos defenda de semelhante praga…!