— Deixa-te desses sinistros pensamentos, meu caro irmão; cuidemos antes em nossa vida, nos interesses de nosso futuro. Queres que conosco se extinga a valente e ilustre raça de nossos avoengos…? Tratemos de trabalhar para comprarmos um navio que nos tire destas áridas e mesquinhas praias, e nos transporte para regiões mais felizes e civilizadas, onde não nos faltarão riquezas, honras, prazeres e mulheres.
— Honras, riquezas, prazeres…! Hoje tudo isso para mim são vãs palavras, nada disso tem valor para minha alma, que sem Regina não pode compreender o que seja felicidade.
E Regina é a flor que nasceu no rochedo inacessível, a estrela, que luz nas profundezas do firmamento, ou a pérola do abismo, a que mãos humanas não podem tocar…! Adeus, meu irmão, levo a morte no coração e quero morrer longe destes lugares e dos olhos dela. Tu e Ricardo sois mais fortes que eu, e bem podeis sem mim levar avante os projetos e conselhos de nosso pai! Ah! Possa ele lá do céu, onde se acha, lançar-me um olhar de compaixão e perdoar a este seu indigno filho…!
— Bem! Já que essa é a tua vontade irrevogável, vai-te, meu irmão, vai-te em paz, que eu cá fico para vingar-te…
— Vingar-me?! Como? Pode alguém vingar-se de uma dama porque não nos quer…? Ofender a uma mulher é indigno de um cavalheiro.
— Não te dê isso cuidado; eu não tocarei em um só fio de seus cabelos.
— Então qual a vingança que pretender tomar?
— Muito simples, hei de quebrar o encanto a essa intratável e maldita fada, hei de abater-lhe o orgulho fazendo-a sofrer o mesmo que hoje sofres; há de amar e não há de ser amada.
— E a quem amará ela?
— A quem…? A mim mesmo, hei de vê-la rendida a meus pés, há de adorar-me, e eu…
— E tu que farás…?
— Hei de fazer com ela o mesmo que ela faz contigo ou pior ainda.
Um sorriso de incredulidade, sorriso amargo e triste, como um raio do sol de inverno, pairou ligeiro pelos lábios de Rodrigo, que, abanando a cabeça, murmurou:
— Ah! Roberto! Roberto! Pensa bem no que vais fazer…! É uma loucura de que tarde terás de te arrepender. Vais brincar com uma serpente, e queira Deus não saias como eu com o peito mordido e o veneno no coração…!
— Não tenhas o menor receio; poderei não conseguir domá-la, mas asseguro-te que hei de sair-me do combate tão ileso e são como agora aqui me acho.
— Por demais confias em ti, Roberto. Tu és belo, e ela formosíssima… Se ficardes morrendo um pelo outro… Considera quão doloroso seria para mim vê-la em braços de outro, embora fosse um irmão. Ah! Por coisa nenhuma desta vida eu quereria odiar-te…!
— Tal receio nem de leve te deve passar pelo espírito. Ainda mesmo que eu tivesse a desventura de render-me aos encantos dessa mulher, embora ela me adorasse também, teu irmão, eu te juro pelas cinzas de nosso pai, que ali jaz sepultado no adro da capela, teu irmão jamais se entregaria àquela que é objeto do teu amor.
— Pois bem, se essa é a tua vontade inabalável, confio em ti, meu irmão; faze o que entenderes. Adeus! Se dentro de um ano eu não voltar aqui, reza por minha alma.
— Em menos de um ano saberás que estás vingado.
Desde esse instante, Rodrigo, o mais velho dos três irmãos, desapareceu do lugar, e ninguém, à exceção de seus dois irmãos, soube o que fora feito dele. Alguns entenderam que havia naufragado em alguma dessas perigosas excursões que empreendia no encalço da fada intratável que o tinha fascinado. Tinham encontrado um escaler encalhado na praia, sem remo e com o leme despedaçado; entenderam que era o seu barco, e que o seu dono fora devorado pelos abismos do oceano. Outros mais avisados consideraram que o moço, hábil e vigoroso barqueiro como era, ele, que tantas vezes zombara de escarcéus medonhos e dos mais revoltos temporais dirigindo seu barco como o gaúcho guia o poldro bravio pelas savanas do deserto, não se deixaria perder no meio dessas ondas, que tanto conhecia. Concluíram, portanto, que o desventurado mancebo quebrara de propósito seu barco, sua esperança e sua vida de encontro às penedias, a fim de extinguir para sempre no seio das tempestades do oceano a eterna tempestade de sua alma.