A infanta D. Maria de Portugal e suas damas/Retratos da Infanta
NÃO se esqueceram, de certo, os que leem, dos epithetos pomposos em que o nome de D. Maria costuma andar envolvido. — Flor e honra das princesas; esplendor de pureza; primaz das mulheres portuguesas; flor intacta de virgindade; exemplo de castidade; Minerva do seu seculo; formosa Minerva; Pallas desarmada; rara ave ou phoeni pela sua prudencia e singular intendimento de todos os assumos; eruditissima; segunda Zenobia; inclyta Eudoxia; Placidia bella; Rainha Sabá; Artemisia, e Dido — eis alguns dos titulos que lhe foram applicados pelos biographos e pelos coevos quando lhe iam dedicando obras eruditas ou amenas. Passo os mais hyperbolicos, por andarem redigidos na lingua de Lacio.
Não deixarei todavia de observar que humanistas da mais pura agua, como André de Rezende e Manoel da Costa não se pejaram de lhe tributar honras divinas. Algumas citações, dispersas por estas paginas, mostrá-lo-hão pouco a pouco.
Quasi sempre é a sabedoria e a castidade, que se põe em fóco. Menos vezes a sua formosura e gentileza.
O melhor que teriamos a fazer para avaliar os dotes physicos, seria considerarmos uma serie de effigies authenticas. Mas onde estão ellas?
Não padece duvida que a filha de D. Manoel foi retratada em diversas occasiões por pintores de renome, nacionaes e estrangeiros, dos mais celebres que trabalharam entre 1520 e 1580 na côrte portuguesa. Além do miniaturista Antonio de Hollanda e seu filho Francisco , o Apelles português, os que provavelmente executaram pinturas da Infanta ao natural foram: Antonio Moro (1551), Affonso Sanches Coelho (1551-1554), Hans van der Straten (1556), Christoph von Utrecth (1557)[1]
Quantas illuminuras, medalhas, chapas de cobre, taboas grandes e telas d’estes mestres, e de outros de menor fama, não seriam enviadas á mãe que se consumia ao longe em amargas saudades durante sete lustros (1523-1558)! Quantas seriam remettidas aos soberanos que requestavam a mão da Infanta! Ou haveremos de acreditar que nem sequer desejavam examinar as feições nobres e delicadas da desposada, os sete noivos platonicos e longínquos que pouco a pouco surgiram no seu horizonte? Quantas ficariam além d’isso no reino a adornar os paços regios, e a fallar aos posteros das obras pias que instituiu!
No estrangeiro (na França, Hespanha e Áustria) perderam-se provavelmente varios d’esses retratos, por incêndios ou estragos do tempo. Alguns lá estarão ainda em palacios e museus, escondidos ou não identificados.
O unico de que por ora ha noticia, é um que em Madrid faz parte do Museu do Prado, não documentado, mas com attribuição tradicional á Infanta, a qual creio firmada em boas razões. E’ o que reproduzo segundo uma bella photographia, tirada directamente sobre o original [2]. D’elle fallarei depois de ter passado em revista os restantes.
Os de Lisboa são tres. Um conserva-se num retábulo da Egreja conventual da Luz. [3]
O facto de a capella-mór d’esse importante edificio ser fundação de D. Maria e destinada para seu jazigo, suscita naturalmente a esperança de o retábulo ser doação e representar fielmente as suas feições. Mas a suspeita é errónea. A construcção foi acabada depois do seu fallecimento. Sepultada provisoriamente no Capitulo da Madre de Deus, junto á Rainha D. Leonor, só ao cabo de quasi vinte annos, foi trasladada para a sua modesta morada no pavimento da Luz. [4]
O quadro que a mostra em idade juvenil não tem caracter de authentidade. Obra do seculo XVIII é, no caso melhor, copia de um original antigo, lá de 1540 e tantos, talvez de Antonio ou Francisco de Hollanda.
Outro, diverso mas muito semelhante, a ponto de devermos considerar um dos dois como repetição do outro, pertencia em principios do seculo ao Real Mosteiro da Encarnação, mais uma das muitas casas santas que a Infanta mandou construir. [5] Sobre ella foi feita uma Estampa [6] que, figurando na collecção iconographica de 1817 [7] e correndo solta [8] "vulgarizou um quadro, apparentemente digno de confiança. [9] Ignoro onde pára hoje, e se por ventura o teve á mão um dos paladinos modernos da Infanta que a descreveu do modo seguinte:
«Formosura suavissima, bem revelada na alvura da pelle, no azul celeste dos olhos vividos e na côr loira dos cabellos que por de sobre (sic) uma ligeira coifa, alevantando-se em arredondada frisa até ás fontes,, segundo a moda do tempo, lhe coroavam de ouro a espaçosa e ampla fronte, onde o talento espontaneo evidentemente se expandia.» [10]
Cumpre conferir essas indicações com as que ácerca do quadro da Luz redigiu um dos poucos que desdenham. a erudição da princesa, mas ainda assim não se subtrahem ás suas graças mulheris: um sympathico rosto loiro arruivado, com beiços grossos e olhos azues intelligentes, emmoldurado em altiva gorjeira de cassa. [11]
Ainda numa outra fabrica, custeada pela Infanta, mas realizada depois da sua morte, via-se em tempo de Pacheco, e vê-se hoje, a sua imagem. Fallo do Hospital da Luz, perto do convento (hoje Collegio Militar). Na capella que ficava no meio das enfermarias, dedicada á Virgem dos Prazeres, lá estava a fundadora aos pés da padroeira, offerecendo-lhe aquella obra de architectura, com umas letras que dizem Santa Maria succurre Miseris. [12]
A respeito de uma pintura, de auctor desconhecido, enviada á França em fins de 1541 ou principios de 1542 e que portanto representava a Infanta na flôr da idade, possuimos assentos da propria mãe, numa carta á filha. Accusando a recepção, sem grandes demonstrações de alegria, reprimindo pelo contrario suspiros e lagrimas de desconsolo e medindo cada expressão, a Rainha D. Leonor escreve apenas: Con vuestra pintura, hija, he holgado mucho... pues no puedo ver lo natural. Plega a Dios que pueda ser alguna hora y con vuestro contentamento, que será lo mio! [13] Quão profundas magoas se escondem sob estas phrases singelas — e quanto é preciso lêr entre linhas, o leitor vê-lo-ha no capitulo seguinte. [14]
Ainda outra taboa houve, ou antes taboinha (tabula depicta, tabella, tabellula) pintada um decennio depois, e essa de mão de um artista conhecido, português, que estava habilitado como ninguem para comprehender e interpretar condignamente a alma da Infanta.
Francisco de Hollanda, o já mencionado originalissimo auctor de um tratado extenso sobre a Arte de tirar ao natural, [15] que é unico no seu genero, lembrava-se até morrer com profunda saudade da Italia onde havia estudado com summidades artisticas, conhecendo em intimo convivio a Miguel Angelo e sua Diotima, uma das damas mais illustres e mais dignas d'admiração do renascimento italiano, tão fecundo em celebridades femininas. Comparar fidalgas portuguesas, de espirito culto e costumes impeccaveis, com a Marquesa de Pescara, chamar-lhes por meio d'este simile pensadoras profundas, poetisas excelsas, afamadas não menos pela bondade e nobreza de um caracter privilegiado em que tudo era genuino, do que pelo sangue, engenho e erudição, era uma homenagem primorosa que gostavam de tributar ás suas patricias os quinhentistas de cá que haviam entrevisto e admirado o original em Ischia, Napoles e Roma. [16]
Pena é que não nos seja dado verificar, até que ponto o Miguel Angelo português, o pensamento fito em Vittoria Colonna, e á luz da renascença italiana, sondou e reconstruiu a mais fina organização da renascença nacional.
Com livros não a rodeou, de certo. Seu principal empenho era, mostrá-la bella, casta e intelligente, digna de ser amada por Felipe de Hespanha, seu pretendente nos annos de 1549 a 1552. (O pretendente, é bom notá-lo entre parentheses, contava seis annos a menos do que a noiva.) E' o que resulta da referencia ao senhor do mundo nuns disticos latinos que hoje são quanto resta da obra de Hollanda. [17]
Eis os breves mas finos encomios que um douto jurisconsulto, admirador do pintor e do modelo, distribue a ambos: [18]
Venus depois de ter avistado o retrato de Maria,
foi levando-o para o mostrar a seu filho. E disse:
Não ignoras que de ha muito os fados andam á procura
de um esposo digno d'esta dama e que não o encontram.
Larga o arco; deixa as settas; leva sómente esta taboa,
e novos titulos de honra juntarás á tua gloria.
Reduzindo a captiveiro o monarcha do mundo,
ganharás um só mas ingente tropheu.
O segundo epigramma do mesmo humanista é mais explicito, e mais descriptivo:
Representar ao vivo a divina Maria
tentou Hollanda — empresa altissima, digna do artista.
Do mesmo modo a representou como pelo vate meonio
foi figurada a filha de Alkinoos, igual
em virginal gentileza a deusa Artemis.
Os olhos parecem fulgurar na fronte astral;
a pudicicia tinge de rosas as suas faces:
Magestatica é a estatura e o porte; ninguem
pode duvidar se é, ou não, nas alturas que ella se move.
Como outr'ora Zeuxis soube figurar a Penelope,
honesta a ponto de parecer a estatua da propria castidade,
assim o feliz pincel de Hollanda faz entrever n'esta taboa
a pureza dos costumes da augusta donzella.
Se fosse dado aos olhos dos mortaes avistar
a virtude em pessoa, é essa expressão que lhe veriam.
Mas não foi possivel communicar-lhe aquella suave graça
a que não existe nada superior no mundo inteiro.
As allusões ao Livro VI da Odyssea, em que Homero descreve com inexcedivel maestria o encontro de Ulysses com Nausicaa, equiparando a joven princesa hellenica á pudica irmã de Apollo, podiam provocar em alguem a supposição de Hollanda não ter traçado um simples retrato da Infanta, em traje singelo ou festivo, mas antes uma scena mythologica, mostrando-a cercada de uma alegre comitiva de damas, radiantes de mocidade, as quaes vencia pelo esplendor da belleza, a elevada estatura e o fausto dos indumentos, quer fosse nos bosques de Cintra como Diana caçadora, quer nas praias do Oceano, figurando ahi a incomparavel filha do rei dos Pheacos.
Comtudo, se tal presumisse, andava enganado. A Infanta não era caçadora. [20] E a evocação de uma terceira figura, sempre representada a fiar, ao pé do lar abandonado pelo astuto e multivago Ulysses, embarga completamente tal interpretação.
Apenas se pode inferir o que já indiquei: que a taboa perdida dava ideia adequada da sua pudibunda e nobre formosura.
Nas epigraphes do subtil Manoel da Costa [21] não se acha exarado o nome do pintor. Mas o texto não deixa duvida a este respeito:
Exprimere ad vivum divinam Ollanda,
Mariam tentavit....
Et felix manus Ollande monstravit
Eadem Augusta mores Virginis in tabula.[22]
Volto ao retrato de Madrid, que tambem é obra de uma notabilidade artistica e respira as mesmas virtudes da Infanta, comquanto the falte a franca alacridade que emana das reminiscencias pagans do pintor e do humanista philhelleno.
Antonio Moro (Moor), um dos melhores e mais fecundos retratistas do seculo (1512-88), rival de Holbein e Ticiano, chegou á peninsula cerca de 1550, chamado por Carlos V, ou mandado de Flandres por sua irmã, precisamente quando o primogenito e herdeiro, viuvo desde 1545 de outra D. Maria de Portugal, filha de D. João III, tratava de um novo casamento, visando a nossa Infanta. Moro repartiu então o seu tempo entre Madrid e Lisboa, pintando os soberanos e magnates das duas côrtes. Cá executou, entre outros, dois magnificos retratos dos Reis, os do Principe Real e Infante D. Luiz; lá o da filha de Carlos V, a imperatriz D. Maria, e a princesa D. Joanna, noiva do herdeiro da corôa portuguesa. Quem póde duvidar que pintasse em Portugal a filha de D. Manoel, escolhida para noiva de D. Felipe? e que não só a taboinha de Hollanda mas tambem um quadro em tamanho natural fosse mandado a Castella?
D. Maria contava então trinta annos, idade perigosa para a mulher meridional, segundo o dizer do povo. Mas o caso era excepcional. Chegada apparentemente ao termo de seus desejos, ás culminancias que outras infantas de Portugal haviam attingido antes d'ella (D. Maria só de 1543 a 1545, D. Isabel de 1526 a 1538), officialmente desposada ao futuro senhor do immenso imperio hispanico, a princesa fulgurava como nunca d'antes, em toda a plenitude das suas faculdades, em todo o esplendor da sua gentileza majestatica, acariciando a fugidia esperança de ver afinal acabadas as intrigas interminaveis e deprimentes de que fora alvo.
Ainda assim, Antonio Moro não pôde varrer completamente as sombras de uma dolorosa meditação d'aquella testa alta, espaçosa e geralmente placida. E' que entristecida por repetidas decepções, a filha de D. Manoel mal ousava dar credito ás mais solemnes pro- messas.
Como symbolo de magoas fôra envolvendo o rosto gracioso, de feições tão regulares e puras, e parte do formoso cabello castanho-claro ou loiro-escuro que o emmoldura, [23] num veu tenue que desce ao peito. A mão direita, de afilados dedos aristocraticos, segura uma perola que lhe serve de firmal. Uma lagrima reprimida? Talvez. Todavia o pintor viu e reproduziu apenas uns olhos azues muito limpidos, com expressão serena e franca, suavemente perscrutadora, nos quaes se reflecte uma intelligencia lucida, altiva rectidão, e principalmente um coração valente. Aos labios finos, cerrados por inviolavel sigillo, e ao terço inferior da cabeça, não falta energia.
Essa bocca tão discreta poderia ter contado toda a agitadissima historia do reinado de D. João ш. Da sua prudente resignação dependia a paz da casa real. Mas como o pintor, a nação viu nella apenas a mulher recatada e submissa, forte por taes virtudes, prompta a todos os sacrificios, fecunda em obras boas. Poucos adivinhavam luctas e angustias debaixo d'aquellas apparencias de sosiego e grandezza que herdara do pae, sem nunca assumir a exagerada sobranceria que tornou mal vista sua meia-irman, D. Beatriz de Saboia.
Cumpre-me explicar agora quaes motivos me levam a aceitar a antiga tradição artistica, que designa com o nome Infanta D. Maria a bella dama pintada por Moro, dizendo porque reconheço no vulto a filha de D. Manoel, comquanto nem no proprio quadro nem tão pouco em documento algum relativo a Moro haja noticias elucidativas. E tambem, por que razão regeito e considero inconsistentes as duvidas levantadas por certos criticos escrupulosos. [24]
De onde essas duvidas nasceram, bem o sei. Da coexistencia de tres damas diversas de nome igual, que, nascidas no terceiro decennio do seculo XVI de allianças entre a casa de Austria e a dynastia manoelina, e casadas ou promettidas em casamento a principes do mesmo sangue, tinham jus a figurar nas galerias de retratos dos Felipes, e deviam, segundo todas as previsões, apresentar certo ar de familia, ostentando trajes de estylo parecido.
Ei-las pela ordem chronologica: Primeiramente temos a nossa Infanta, filha de D. Manoel de Portugal e D. Leonor de Austria (1521-1577). Em segundo logar, a filha de D. João me D. Catharina, a qual nasceu a 21 de maio de 1527, casou em 1543 com seu primo Felipe, e falleceu ao cabo de dois annos, ao dar á luz o Infante D. Carlos, de triste memoria. De passagem seja dito, que os dois nubentes eram de idade igual e celebravam o seu anniversario no mesmo dia, como os reinantes actuaes de Portugal. A terceira é a filha de Carlos v e da Imperatriz D. Isabel de Portugal. Essa nasceu em 1528. Casando em 1548 com o Imperador Maximiliano II, conservou-se todavia na Peninsula até 1551. [25]
E' impossivel que Antonio Moro pintasse a segunda, se realmente veio de Flandres depois de 1550, no que todos concordam. [26] Impossivel tambem que o quadro em questão represente uma joven de 17 ou 18 annos. Tambem não póde representar a terceira D. Maria, pois o retrato d'ella conservou-se e lá está hoje no Prado, ao lado do que nos occupa (com a numeração que indico nas Notas), mas tambem sem inscripção comprovativa. Resta portanto a hypothese que defendo e outros impugnam, por confundirem as tres Marias. [27]
A estada do pintor flamengo — pintor das noivas regias, como um dos mais entendidos criticos de arte costuma nomeá-lo — na côrte portuguesa, em 1552, com cartas de recommendação da Rainha-viuva de Hungria [28] para sua irman D. Catharina, é um facto incontestavel e comprovado. [29]
Com quasi igual certeza consta que o eximio artista retratou do natural, além dos reinantes, ao principe real, ao Infante D. Luiz e uma D. Maria de Portugal e que esses quadros foram parar, ainda no seculo XVI, a Hespanha, onde figuraram até 1608 na Sala dos Retratos do palacio El Pardo. [30] E como em 1550 havia uma unica D. Maria de Portugal é quasi superfluo relevar ainda a perfeita concordancia da idade, e da indole que a pintura revela. Mas não será desnecessario acentuar de um lado os traços de parentesco com os quadros da Luz e o do Mosteiro da Encarnação — como são a testa alta, cabello loiro, olhos azues, tez muito clara — [31] e do outro lado a semelhança notavel da retratada com el-rei D. Manoel. [32]
O trage cujos tons sombrios dão realce á singular alvura das mãos e do rosto, finamente modelado, está em harmonia na sua singeleza distinctissima com a nobreza natural do porte, e com a melancholica suavidade da physiognomia. O velludo preto, afogado, de corte modesto, guarnecido apenas na frente com alguns laços de côr clara que se repetem nas mangas golpeadas, denuncia a elevada categoria do personagem, sem ostentar as suas grandes e falladas riquezas que tantas cobiças despertaram. [33] Poucas joias de preço destacam-se do estofo e do veu de gaze, sem annullar o aspecto tristonho do quadro. Poucas, relativamente — diadema, collar, remate do veu e cinto — se tivermos em mira, conforme reclama a justiça, outros quadros da mesma epoca e do mesmo pintor, repre- sentando damas das familias reaes de Hespanha, porque o vestuario de algumas está litteralmente coberto das mais raras preciosidades da ourivesaria e joalheria.
Veja-se o retrato da Rainha D. Catharina [34], o da outra D. Maria, filha da Imperatriz D. Isabel de Portugal, [35] o da Princeza D. Joanna, [36] todos no Prado. E tambem o da Rainha D. Leonor que juntamos a essas paginas, por ser inteiramente desconhecido em Portugal. [37] Vestida á franceza, com decote discreto, em côres brilhantes, parece tão juvenil como a filha; mais bonita e alegre, não. [38]
Fosse em conformidade rigorosa com o seu estado de innupta, fosse por entender que dizia bem conf a tez e o colorido, ou que não precisava de luxuosos atavios e grossa pedraria para se distinguir entre as primeiras, a virgem sábia — egregium virgo decus innuptarum — escolhera aquelle vestido grave, á antiga portugueza.
Em outra occasião, ao receber em seus aposentos, cercada de quatro matronas, quatro damas e tres donzellas que pareciam tres graças, a um legado pontificio, [39] ella apresentou-se com o mesmo recato: toda de velludo preto, e corpo afogado. E' verdade que nesse ensejo contava vinte annos a mais. Mas tendo herdado joias esplendidas da mãe enfeitara-se d'esta vez com ricos adornos de ouro, e uma corba de rubis e diamantes. [40]
Não falta, porém, quem a descreva em galas vistosas. Quando na côrte festejavam, n'um dos ultimos momentos de gloria e regosijo de D. João III, a puberdade do Principe D. João, que ensaiava armas no novellesco torneio de Xabregas (1552), a Infanta brilhava em setim encarnado com recamado d'ouro e prata, e dianteira de trança de ouro e perolas. E essas galas tornaram-na tão bella que o poeta que assim descreve as roupagens — um moço da camara do Infante D. Duarte [41] — não se aventura a devassar-lhe os encantos do rosto. Por circumloquios num simile feliz, comquanto pouco novo, diz apenas: «para a eu desenhar vou-me com o pintor que cobriu o rosto de Agamenon no sacrificio de Iphigenea, porque cousas em que a natureza abalisa seu extremo não lhe chega engenho humano para entendê-las.» [42]
Do mesmo modo procedeu o auctor das Decadas. Tocando vagamente na sua graça natural cita o proloquio: a quem Deus quer bem, no rosto lhe vem. [43]
Evidentemente, entre os eruditos da côrte constava que a Infanta, bizarra, e na consciencia da dignidade do seu estado, não admittia que ao vulgo profano se fallasse das linhas do seu rosto, ou da elegancia das suas esplendidas formas esculpturaes.
Apenas o velho Resende, ao tributar-lhe homenagens, adiantava-se até tocar em alguns pormenores: os cabellos ruivos, o andar divino, incessu dea, lembrando a Venus de Lucrecio: incessu patuit dea.
Mas esse... fallava latim. [44]
Para findar, mais uma observação.
Parece que graças á robustez da sua constituição, D. Maria conservou longamente certa frescura juvenil. Venturino, o secretario do cardeal Alexandrino, opinava, ao vê-la em 1571, que nenhum desprevenido lhe teria dado os cincoenta annos já decorridos.
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Oficinas do « Commercio do Porto »
- ↑ A respeito dos pintores citados, importa recorrer á obra de Raczynski, Les Arts en Portugal, e aos Dialogos da Pintura, de Francisco de Hollanda, commentados por Joaquim de Vasconcellos, na primorosa edição de Vienna de Austria, 1899 (p. LIII s.) Cf. a nossa Nota 29.
- ↑ A photographia é de Laurent: a reproducção é das officinas do Commercio do Porto.
- ↑ O altar que o retabulo encima é hoje do S. Sacramento. Está no cruzeiro, do lado do Evangelho. Uma imagem de N. S. do Cabo, mencionada por Gabriel Pereira num artigo inserto na Revista Archeologica IV 186, só esteve temporariamente na Egreja da Luz.
- ↑ No paragrapho segundo do seu Testamento, a Infanta havia ordenado o seguinte: «Mando que mi cuerpo sea llevado a la Capilla que aora hago en el Monasterio de N. S. da Luz» e no Codicillo: «y la Capilla mayor de N. S. de la Luz, que aora labro, si no quedare acabada, se acabará luego, conforme a la traça que está echa.» A capella-mór, principiada em sua vida, estava pronta em 1585. Mas os testamenteiros, pouco zelosos, não queriam saber de pressas. Só a 30 de junho de 1597. pouco antes de se finar. Felipe II, seu sobrinho e ex-noivo, mandou realizar a trasladação. ― Parece-me significativo que Frei Miguel Pacheco, não conhecesse o quadro da Egreja da Luz. Tudo quanto refere da execução do testamento (cap. XVIII), cujos encargos ao cabo de meio seculo ainda não se haviam cumprido, sendo encarregado d'elles o proprio auctor da Vida, leva-me a pôr em duvida que alguem se lembrasse logo a principio de dar ao seu retrato o logar de honra que lhe competia.
- ↑ A construcção d'este convento para Commendadeiras de S. Bento de Aviz, tambem não se concluiu, e talvez nem mesmo se começasse, em vida da Infanta. Creio até que foi principiado depois de 1620. ― No § 15 do Testamento ella dizia: «Mando que se haga un Monasterio de Monjas, de la Orden de S. Benito en el sitio que al General y Padres de S. Benito... pareciere bien... La invocacion desta casa será N. S. de la Encarnacion...»
- ↑ Semelhante, quanto à physiognomia, bem se vê.
- ↑ A estampa é a 47, na ordem da publicação, cujo titulo deixei consignado na Nota 6.
- ↑ A estampa entrou p. ex. na Collecção de Barbosa Machado, conforme se vê do Indice, publicado por Innocencio da Silva, vol. VII p. 102.
- ↑ Eis o que diz a este respeito o Padre José de Figueiredo: «O retrato que desta Senhora offerecemos he copiado de um quadro do seu mesmo tempo, que a representa ao natural, com muito primor. Conserva-se no Real Mosteiro da Encarnação com grande veneração e devemos á Ex.a Commendadeira a generosa franqueza com que prestou seu consentimento para utilidade do publico.»
- ↑ Conde de Villa Franca, p. 275 da obra citada na Nota 10.
- ↑ Julio de Castilho, Lisboa Antiga, vol. VII, pag. 339. O Snr. Visconde tem o quadro na conta de antigo e da escola portugueza.
- ↑ E' d'este e só d'este quadro que Frei Miguel Pacheco deu noticia na Vida (a fl. 101 v. e 108 v.), infelizmente sem indicar quando e por quem foi pintado. — Quanto á authenticidade, está, portanto, em condições um pouco mais vantajosas do que os quadros da Egreja da Luz e do Mosteiro da Encarnação. — Dos danos que todos estes edificios soffreram em 1755, e das restaurações modernas, nada digo.
- ↑ A carta é de 2 de Março de 1542. Vid. Pacheco fl. 24 ss.
- ↑ Não é impossivel que a taboa pequena, mandada a França, fosse obra de Francisco de Hollanda. O mesmo direi do original reproduzido nas tres pinturas que apontei como existindo em Lisboa, e que todas mostram a Infanta na idade de vinte annos! A data exacta em que o discipulo enthusiasta de Miguel Angelo voltou da Italia, para onde fora no anno de 1538, em viagem de estudo, continua incerta. As ultimas investigações deram apenas em resultado que já estava de regresso em 1545, e talvez em 1543, e que no intervallo entre Novembro de 1543 e Julho de 1545 tirou pelo natural o retrato de D. João III para a filha ausente, a princesa D. Maria. — Vid. Joaquim de Vasconcellos, Francisco de Hollanda, Quatro Dialogos da Pintura, Ed. Vienna de Austria, 1899 p. XXXIX s. — Assentemos a hypothese que depois da morte de D. Leonor, o quadro voltasse a Portugal, ao paço da Infanta, servindo mais tarde de modello aos copistas da Luz e da Encarnação. Mas estabeleçamos tambem o facto que nos tratados de Hollanda não subsiste observação alguma que auctorize essa conjectura. Nem uma só vez menciona a Infanta D. Maria. Portanto o que não é impossivel, figura-se-me pouco provavel. ― E' certo que antes da vinda de Moro, Sunches Coelho, Van der Straten, Christoph von Utrecht, retratistas de merito trabalharam na côrte portuguesa, embora desconheçamos seus nomes.
- ↑ O tratado Do Tirar pelo Natural ainda não teve edição avulsa. Por ora só existe impresso no hebdomadario A Vida Moderna (Anno 1895).
- ↑ O primeiro escritor português que nomeou Vittoria Colonna foi o grande reformador da poesia lyrica em sentido italiano. Ao trocar com D. Leonor de Mascarenhas uns versos á maneira antiga, num dos Serões Manoelinos (ou antes no acto de os copiar em 1551, a favor do Principe Real), Francisco de Sá de Miranda juntou ao nome d'essa dama do paço a nota seguinte: «polo d'ela que é cousa rara, pus aqui isto, porque se veja que tambem Portugal teve a sua Marqueza de Pescara». ― Vid. Poesias de Sá de Miranda, Ed. Carolina Michaelis de Vasconcellos, pag. 40 e 744. D. Leonor de Mascarenhas sahiu de Portugal em 1526 como dama da Imperatriz D. Isabel, meia-irman da nossa Infanta, vindo ser a primeira educadora de Felipe II e posteriormente a do infeliz principe D. Carlos. ― Mais tarde, outros escritores que cultivaram o ideal italiano, entre elles: Gaspar Barreiros, Frei Heitor Pinto, Duarte Nunes de Leão e Hollanda, seguiram o exemplo de Miranda. ― Eis o que disse de Vittoria Colonna o pintor português: «E' polo conseguinte a senhora Vittoria Colonna (Marqueza de Pescara e irman do senhor Ascanio Colonna) uma das illustres e famosas damas que ha em Italia e em toda a Europa, que é o mundo, casta e inda fremosa, latina e avisada e com todas as mais partes de virtude e clareza que numa femea se podem louvar. Esta, depois da morte de seu grão marido, tomou particular e humilde vida, contentando-se do que já em seu stado tinha vivido, e agora só Jesu-Christo e os bons stados amando, fazendo muito bem a proves mulheres, e dando fructo de verdadeira catolica». Dialogos, pag. 12.
- ↑ Raczynski, ao fallar do retrato perdido ― por informação do Visconde de Juromenha ― confunde a nossa Infanta com a outra D. Maria, filha de D. João III, a que me referi numerosas vezes neste estudo. (Vid. pag. 13 e 43, e Notas 40, 41, 42, 50, 52 e 68.) Além d'isso parte de uma data inexacta (1532, em vez de 1552). Dictionnaire, pag. 152.
- ↑ Os versos são do Dr. Manuel da Costa. As obras d'este varão appareceram em primeira edição em Lyon de França, no anno 1552. Ha outra de Salamanca 1584: Emanuelis Costa Lusitani Jurisconsulti Commentarii. E' d'ella que me sirvo. O original (a p. 492), diz:
Vidit Mariæ pictam Cytherea figuram
Abstulit et nato sic ait illa suo:
Scis ut consortem iam dudum fata laborent
Huic Mariæ, et dignum vix reperire queant?
Pro pharetra atque arcu solum hanc fer nate tabellam,
Accedet titulis gloria summa tuis,
Vnum etenim referes sed summum immane trophæum
Captiuo summi principis imperio. - ↑ Não creio que o monarca alludido fosse um dos Imperadores da Austria (Fernando II, Maximiliano I, ou Carlos V), comquanto os primeiros dois fossem, com efeito, temporariamente noivos de D. Maria, e o ultimo tambem appareça no rol dos pretendentes, tal qual historiadores modernos o elaboraram. Desconheço as provas da affirmação e julgo que se deixaram illudir por uma liberrima paraphrase de um poema latino de André de Resende, impresso na obra de Pacheco. No original uma phrase, relativa á Infanta, diz que seu excelso irmão a destinava ao imperio do globo e ás
culminancias do poder ― frater quem maximus orbis destinat imperio ac rerum ad fastigia summa. O traductor substituiu essa proposição vaga pelas hyperbolicas asseverações seguintes:
La infanta augusta de quien ya predica
Dichoso vaticinio que el imperio
De todo el emisferio
Emperatriz la llama,
Que suena ya la trompa de la fama
Que Carlos Quinto esposa la destina
A la Infanta Maria su sobrina.Confesso não perceber bem. Haverá erros de escrita? Será preciso lermos:
Que Carlos Quinto esposa ya destina
Al principe Felipe su sobrina? - ↑ João de Barros assim o exarou no seu Panegyrico § 45: «deixada a caça a que muitas princesas em outros reynos são inclinadas, Vossa Alteza... em lugar de cães que desassossegão... penetra a sagacidade e ligeireza de seu espirito os cavados das pedras, desencovando aquella formosa pomba de Salamão que he a graça do Espirito Santo e os sentidos da Escritura,.... e quando o tempo lhe não dá lugar a esta caça, porque em huma ha de semear e em outra ha de colher, gasta estes intervallos no exercicio da musica...». ― Que jogos florais, ou jogos malabares, de espirito!
- ↑ De Tabella qua depicta fuit Serenissimi Joannis III Lusitanorum Regis Soror Maria Princeps Augustissima:
Expre ad viuum divinam Ollanda Mariam
Tentavit, raro dignum opus artifice.
Et talem expressit, qualis collata Dianæ est
A vate Alcinoí filia Mæonio.
Scintillare oculi stellata e fronte videntur,
Et micat in roseo viuidus ore decor.
Vultus maiestas est cui fastigia rerum
Deberi, iusta cum ratione putes.
Quod si Penelopes formam celeberrimus olim
Depinxit Zeuxis cum probitate simul,
Et felix manus Ollande 'monstrauit eadem
Augustæ mores Virginis in tabula.
Denique si posset mortali lumine cerni
Hac facie Virtus conspicienda foret.
Nec tamen ostendi potuit satis illa venustas.
Qua toto visum est gratius orbe nihil. - ↑ Pacheco reimprimiu os epigrammas e addicionou una versão de um vulto «de ingenio
subido». Ainda assim não é boa nem fiel. O traductor suppõe p. ex. que o vocabulo Ollanda (deturpado em blanda!) significa a tela sobre a qual fora traçada a pintura. (Mais provavel é que fosse sobre taboa). Tão pouco percebeu quem eram o vate Meonio e a filha de Alcinoo. Por estas e outras deficiencias privou à poesia do capitoso aroma classico que a redacção latina exhala. - ↑ Resende trata de ruivos os seus cabellos (flavos), e ruivos, como os de todos os membros da casa reinante, são em todos os quadros lisbonenses. Os da mãe eram acastanhados.
- ↑ No Catalogo de los Cuadros del Museo del Prado, D. Pedro de Madrazo dizia singelamente, tanto na edição de 1833 como na de 1850: «N.o 1376, Retrato de la infanta doña Maria, hija de don Manuel rey de Portugal. Posteriormente substituiu a forma affinnativa pela dubitativa, pondo: «Retrato de una dama joven desconocida. La tradicion la supone hija del Rey D. Manuel de Portugal, pero no hay fundamiento que la abone». (Ed. 1873, N. 1489). Na Revista de Archivos está em via de publicação um Catalogo de Retratos que talvez nos ministre esclarecimentos.
- ↑ A filha de Carlos v viveu até 1603. Cf. Nota 198 205.
- ↑ E' costume affirmar que Moro veio à peninsula em 1552. Todavia, se pintou ao natural a filha de Carlos V, na corte do pae, o pintor deve ter chegado a Madrid em 1551, a mais tardar. A Portugal é que passaria no anno immediato.
- ↑ Para comprovar a alludida confusão entre a filha e a meia-irman de João III, remetto o leitor não só novamente á obra de Raczynski, mas tambem ao Diccionario Historico de Cean-Bermudez (III, 202). Ahi se affirma que Moro, tendo retratado em Madrid ao Principe Felipe, seguiu para Portugal a pintar la princesa D. Maria (o que pode ser exacto, tomando nós princesa em sentido generico) y primera muger de Felipe II (o que é impossivel, visto essa ter fallecido em 1545). Cf. p. 42 e. Nota 52.
- ↑ Essa irman de Carlos v, que igualmente apparece na Vida da Infanta (a p. 23 e 41), chamava-se tambem D. Maria. E seu retrato, pintado por Moro, tambem lá estava no Pardo, até 1608.
- ↑ A 22 de Setembro de 1552 a Rainha D. Catharina de Portugal mandou pagar a Moro a somma de 200 mil reis (500 cruzados) pelos retratos d'ella e de D. João III. Vid. Raczynski, Lettres, p. 255.
- ↑ Vid. Cean-Bermudez, Diccionario III, pag. 204.
- ↑ Nos retratos da Luz e da Encarnação nota-se todavia, numa bocca pequenina, uns beiços um pouco grossos que lembram os da casa de Austria, ou digamos os de D. Leonor. — E' uma differença que logo se impõe à primeira vista. O nariz tambem é differente, sendo mais bem talhado no quadro que reproduzimos.
- ↑ Em 1882 Joaquim de Vasconcellos dizia a este respeito numa Nota sobre a proveniencia do Retrato publicado no Plutarcho: «A tradição é veridica e em abono d'ella citamos o seguinte documento, desconhecido de Madrazo. E' um quadro em taboa do sec. XVI, que appareceu na Exposição de Arte Ornamental em Lisboa em 1881 (N. 178 do Catalogo p. 201). Representa Nossa Senhora com o Menino, sob cujo manto se abriga de um lado o Papa Julio III (1550-1551) e a familia de D. João m: o rei, a rainha, D. Sebastião, sua mãe D. Joanna, e as irmãs del Rei D. Isabel e D. Maria, com os respectivos nomes. Do outro lado estão uns frades trinitarios, em oração. Pertence á Casa Pia de Lisboa. O retrato da Infanta D. Maria concorda, perfeitamente, com o de Madrid». Não o vi ainda. Estranho todavia ver figurar num quadro, pintado entre 1550 e 1551, ao lado de pessoas vivas, uma filha de D. Manuel, que sahindo de Portugal em 1526, morrera em 1538. E D. Sebastião? Como se vê, a questão dos retratos exige novos estudos in loco.
- ↑ A descripção de Madrazo diz: «Está en pie: lleva trage negro, de cuello alto y una toca o velete de cujas puntas unidas al puño pende un joyel que tiene asido con la mano derecha. — Mas de media figura; tamaño natural. Decoraba el antigo Alcazar y Palacio de Madrid cuando occurrió el incendio de 1734. — F. L. (i. é Fotografia Laurent) Alto 1,07; ancho 0,83. (1873).
- ↑ Prado N.o 1485 (ant. 124): Laurent 412. Da Collecção de Felipe II no Alcaçar de Madrid. Vid. Raczynski, Lettres 255. E' interessante comparar o luxuoso trage com a descripção, dada' por Jorge Ferreira de Vasconcellos, na obra citada na Nota 56.
- ↑ Prado 1486 (ant. 1258); Laurent 213. Copia de Pantoja, mas sobre um original que parece ser de Moro (1554); classificado outr'ora como Infanta de Portugal. Da Collecção de Felipe II no Alcaçar de Madrid.
- ↑ Prado 1488 (ant. 1792). Da Collecção de Felipe III no Palacio de Valladolid.
- ↑ O retrato de D. Leonor é reproducção de uma formosa heliogravura, publicada numa revista alleman, de arte. (Zeitschrift für bildende Kunst XXI 322). O original, attribuido a François Clonet, mas tambem a Bernhard van Orley, pertence á collecção Minutoli (Liegnitz, na Silesia). Virada levemente para a esquerda, D. Leonor segura nas mãos uma carta sobrescritada A la cristianisima y mui golirosa (sic) siñora la Reyna mi siñora (sic). Cabello castanho, com fita de perolas e firmal; collar de pedraria no collo descoberto; corpo de bronze esverdeado; mangas de purpura com fios de prata, golpeadas de branco e com debrum de pelles. Fundo verde. E' obra de arte de alto valor. O busto parece de pessoa baixa. Quanto á physiognomia, repito que os beiços denunciam claramente a casa de Austria — muito mais do que nas effigies da filha. Uma certa contracção da testa ou depressão nas fontes, que parece indicar concentração dolorosa, é commum ao retrato de D. Leonor e ao de D. Maria no convento da Encarnação.
- ↑ O retrato condiz com as descripções de D. Leonor, feitas por embaixadores estrangeiros. Um que D. Manoel havia enviado a Castella para contratar o seu terceiro casamento, formulou a sua impressão nas palavras; «nom he muy fermosa, nem lhe podem chamar feia; tem boa graça e bom despejo... nom tem bons dentes e he pequena de corpo». Corpo Chronologico I, Maço 21 N.° 26, apud. Villa Franca p. 276. Outro, de Veneza, opinava: «Non è brutta nè bella. A me pare sia molto buona. Non ha per alcun modo di quelle grandezze espane, ma è vera fiammenga.» — No Retrato da Misericordia de Lisboa parece alta e gentil. Creio que não foi feito in loco et tempore.
- ↑ Miguel Bonello, mais conhecido como Cardeal Alexandrino, enviado do papa Pio V, cujo sobrinho era.
- ↑ A descripção da viagem do cardeal, escrita pelo secretario Venturino, foi publicada por Herculano no Panorama, vol. v. (Opusculos VI p. 90).
- ↑ Jorge Ferreira de Vasconcellos na Segunda Tavola Redonda cap. 47. A descripção do vestuario da Infanta é extensa e complicada; muito mais, porém, a das vestimentas da Rainha que só em anneis ostentava dez, de rubins e esmeraldas.
- ↑ Manuel da Costa serviu-se da mesma figura rhetorica ao descrever o lucto da Rainha D. Catharina, no funeral de seu esposo. (Op. cit. p. 459). Ambos se lembraram de um famigerado quadro grego de Timante, imitado freqüentes vezes, p. ex. num fresco de certa casa de Pompeja, reproduzido em diversos Manuaes de arte e archeologia.
- ↑ Panegyrico § 61.
- ↑ Epistola ad D. Emmanuelis P. F. Invicti Filiam D. Joannes III Invicti Sororem Mariam principem eruditissimam. E' uma das producções em que a Infanta é equiparada ás deusas da mythologia grega, em especial á da sabedoria: Pallada crediderim — incessu dea maxima certe credi digna fuit-namque dearum esse aliquam dubitare nefas. Resende e os seus discipulos, muito cesaristas, divinisavam toda a familia reinante.