Fala-se novamente na reforma da instrução pública e os jornais se preocupam em pedir aos poderes públicos que a façam de forma a evitar os doutores.

No Brasil, o doutor (e olhem que eu escapei de ser doutor), é um flagelo, porque se transformou em nobreza e aos poucos foi açambarcando posições, fazendo criar coisas novas para eles, arrendando com o preconceito doutoral as atividades e as competências.

Ainda não há muito, foi anunciado que os comissários de polícia seriam unicamente os bacharéis em direito; na Estrada de Ferro Central, aos poucos, foram extinguindo, nas oficinas, escritórios e demais serviços técnicos, o acesso daqueles que se vinham fazendo pela prática e pela experiência, para dar os lugares aos doutores engenheiros das nossas escolas poli­técnicas.

A tendência vai se firmando, de constituir-se, entre nós uma espécie de teocracia doutoral.

Os costumes, o pouco respeito do povo, estão levando as coisas para isso.

O doutor, se é ignorante, o é; mas, sabe; o doutor, se é preto, o é, mas... é branco.

As famílias, os pais, querem casar as filhas com os doutores; e, se estes não têm emprego, lá correm à Câmara, ao Senado, às secretarias, pedindo, e põem em jogo a influên­cia dos parentes e aderentes.

Então, o orçamento aparece com autorizações de reformas e o bacharelete está empregado, repimpado como diretor, cônsul, enviado extraordinário e diz para nós outros: "Eu venci".

Nem os jornais escapam a essa superstição. Antigamente, os autores eram conhecidos pelos seus simples nomes; agora, eles aparecem sempre citados com o seu título universitário.

Na burocracia, a coisa é a mesma. Um empregado é mais competente do que outro, na matéria de montepio, porque aquele é engenheiro de minas e o outro não é nada.

À proporção que tal fato se vai dando, o nível da instrução vai baixando.

Não é nesta nem naquela escola; é em todas.

Essa página de doutor, dá panos para as mangas.

Se o governo quisesse extirpar o mal, não deveria manter absolutamente esses cursos seriados.

No que toca à instrução secundária, ainda poderia manter liceus, nos bairros, e, prover, de fato, a instrução secundária, no distrito, sem esquecer que o deve fazer também para as moças.

A instrução superior não devia ter seriação alguma.

O governo subvencionaria lentes, ajudantes, laboratórios, etc., sem prometer, ao fim do curso, que o estudante seria isto ou aquilo: bacharel ou dentista; engenheiro ou médico.

O estudante faria mesmo a escolha das matérias que precisasse, para exercer tal ou qual profissão.

Hoje, as profissões liberais se entrelaçam de tal modo e se dividem de tal forma, que, prender uma cabeça em um curso, é obrigá-la a estudar o que não precisa estudar e não aprender o que precisa aprender.

No mais, a mais livre concorrência...

Correio da Noite, Rio, 11-3-1915.

CONTINUO...

Disse anteontem alguma coisa sobre a instrução e não me julgo satisfeito.

O governo do Brasil, tanto imperial como republicano, tem sido madrasta a esse respeito.

No que toca a instrução primária generalizada, coisa em que não tenho fé alguma, toda a gente sabe o que tem sido.

No tocante a instrução secundária, limitaram-se, os governos, a criar liceus nas capitais e aqui, no Rio, o Colégio Pedro II e o Militar. Todos eles são instituições fechadas, requisitando para a matricula de alunos nos mesmos, exigências tais, que, se fosse no tempo de Luís XV, Napoleão não se teria feito na Escola Real de Brienne.

Ambos, e, sobretudo, o Colégio Militar, custam os olhos da cara e o dinheiro gasto com eles dava para mais três ou quatro colégios de instrução secundária neste distrito.

Acresce ainda que o governo sempre se esqueceu o dever de dar instrução secundária às moças: um esquecimento de lamentar, porquanto toda a gente sabe de que forma a influência de uma educação superior da mulher iria influir nas gerações.

Toda a instrução secundária das moças está limitada à Escola Normal, também estabelecimento fechado em que se entra com as maiores dificuldades.

Se há alguma coisa a fazer em instrução que não seja a de fabricar doutores, é extinguir. todos os colégios milita­res e o Pedro II, criando por todo o Rio de Janeiro liceus, ao jeito dos franceses, para moças e rapazes, de forma que os favores do Estado alcancem todos.

Os colégios militares são sobremodo um atentado ao nosso regime democrático; é preciso extingui-los e aproveitar os respectivos professores e material, na instrução da maioria.

Pelo menos, a República devia fazer isso.

Correio da Noite, Rio, 13-3-1915