— «Respeita a fouce a espiga que desponta;
Sem receio ao lagar o tenro pampano
Bebe no estio as lagrimas da aurora;
Joven e bella tambem sou; turvada
A hora presente de infortunio e tedio
Seja embora; morrer não quero ainda!

De olhos seccos o estoico abrace a morte;
Eu choro e espero; ao vendaval que ruge
Curvo e levanto a timida cabeça.
Se ha dias máus, tambem os ha felizes!
Que mel não deixa um travo de desgosto?
Que mar não incha a um temporal desfeito?

Tu, fecunda illusão, vives comigo.
Pesa em vão sobre mim carcere escuro,
Eu tenho, eu tenho as azas da esperança:
Escapa da prisão do algoz humano,
Nas campinas do céu, mais venturosa.
Mais viva canta e rompe a philomela.

Devo acaso morrer? tranquilla durmo,
Tranquilla veio; e a fera do remorso
Não me pertuba na vigilia ou somno;
Terno affago me ri nos olhos todos
Quando appareço, e as frontes abatidas
Quasi reanima um desusado jubilo.

Desta bella jornada é longe o termo.
Mal começo; e dos olmos do caminho
Passei apenas os primeiros olmos.
No festim em começo da existencia
Um só instante os labios meus tocaram
A taça em minhas mãos ainda cheia.

Na primavera estou, quero a colheita
Ver ainda, e bem como o reio dos astros,
De sazão em sazão findar meu anno.

Viçosa, sobre a haste, honra das flores,
Hei visto apenas da manhã serena
Romper a luz, —quero acabar meu dia.

Morte, tu podes esperar; affasta-te!
Vae consolar os que a vergonha, o medo,
O desespero pallido devora.
Pales inda me guarda um verde abrigo,
Osculos o amor, as musas harmonias;
Affasta-te, morrer não quero ainda!»—

Assim, triste e captiva, a minha lyra
Despertou escutando a voz magoada
De uma joven captiva; e sacudindo
O peso de meus dias langorosos,
Accomodei a branda lei do verso
Os accentos da linda e ingenua boca.

Socios meus do meu carcere, estes cantos
Farão a quem os ler buscar solicito
Quem a captiva foi; ria-lhe a graça
Na ingenua fronte, nas palavras meigas;
De um termo á vida, ha de tremer, como ella,
Quem aos seus dias for casar seus dias.