Pouco entendo de semelhante arte, mas quero mostrar uma pequena observação que venho fazendo de há muito.
Os jornais... Eu gosto dos jornais para justificar as minhas observações. Os jornais, dizia, desmancham-se em elogios, em retratos, em gabos, por ocasião de um concerto ou, pelo fim do ano, quando se realizam os exames do Instituto de Música, a tais ou quais cantoras, pianistas, violinistas, harpistas, pistonistas, flautistas, etc.
Eu leio os elogios e fico convencido de que a arte musical vai num progresso doido entre nós.
E a manifestação estética que mais revelações apresenta é aquela que mais se afirma entre nós.
Porque, em se tratando de pintores, que aparecem com seus quadros, em exposições públicas, não são os elogios assim, tão constantes e seguidos.
Mesmo no que toca às letras, os quotidianos são sempre parcos em gabos e clichés de imortalidade.
Porque, então, o são tanto para a música?
É difícil de explicar, tanto mais que a criação musical, as obras, não aparece.
Não se diga que tal coisa sempre se deu.
As crônicas registram obras de alguns homens notáveis e as poucas que hoje aparecem são de homens.
A música está atualmente, entre nós, entregue às moças; ficou sendo um atavio, um adorno mundano e vai perdendo aos poucos o que possa haver nela de profundo e importante para o nosso destino.
As mulheres são extraordinariamente aptas para essas coisas de reprodução, de execução, de exames, de concursos; mas quando se trata de criação, de invenção, de ousadia intelectual, fraqueiam.
Um autor, Abel France, num estudo, O indivíduo e os diplomas,explanou muito bem essa capacidade das mulheres e mostrou que a continuar esse nosso sistema chinês de exames e concursos, combinando com a emancipação feminina, todos os cargos ficariam nas mãos das mulheres e o progresso intelectual estagiaria.
Sei bem que há exceção, mas todas elas estão fora da música.
Os grandes músicos têm sido sempre homens e se não temos músicos equivalentes aos escritores e pintores que possuímos, é porque de uns tempos a esta parte a música ficou sendo, entre nós, arte de moças que querem casar, ou de outras que querem ganhar muito dinheiro ensinando aqui e ali.
Correia da Noite, Rio, 30-12-1914.