Só tu, e o vasto mar... e a saudade!...
Garmet
No sonho febril da vida
Por amor fujo da terra,
Illusoria e fementida,
Só cheia d’odios e guerra:
Busco as ondas buliçosas,
Amo o rugido do mar,
Eu amo o sopro do vento
No seu forte sibillar!
Corre, corre, e sem receio
Meu fraco, debil madeiro
Não temas do mar o seio
Que é o elemento primeiro.
Não ha hi fumos, vaidosos
De continuo a pullular,
Não ha peitos refalsados
Para o oiro acalentar!
Fadou-me a sorte Poeta,
Tenho abysmos em minh’alma,
Coração tenho propheta,
Que me induz á justa palma.
Já que a esperança na terra
Só mentiras faz soprar,
Quero escutar a verdade
No forte bramir do mar!
Na só do mundo a vida
De perfidias não travada,
Busco segura guarida
Ao infeliz consagrada: —
É intima, pura, e unica,
Que mais falla ao coração —
É o eculeo da existencia, —
É a amena solidão! —
Da terra fallaz, vaidosa
Já não quero os seus segredos,
Outra vida mais ditosa
Procuro nos mares quedos. —
Dos Ceus emmanados puros —
Magos sons quero escutar,
É linguagem que não mente,
É o rugido do mar! —
Sibilla, contente, ó brisa,
Fresca brisa do meu norte,
Nesse chão que o barco pisa
Eu não temo a fèa morte.
Incha-lhe os pannos das vélas,
Ainda o seu navegar,
Oh! affasta-me da terra
Em que vivi a penar!
Corre, corre, e sem receio
Meu fraco, débil madeiro
Não temas do mar o seio
Que é o elemento primeiro.
Que t’importa a tempestade,
A rajada e o furacão,
Se na terra ha mais tormentas,
Mais perfidias e traição?! —
Temes acaso a procella
Na immensidão destes mares?
Vê como aquella estrella
Tem fulgôres singulares!
Como é branda e tão serena
Na sua luz a brilhar,
Como induz n’alma do crente
A seu Deos idolatrar!
Nestes mares o horisonte
É mais puro e matisado,
Que não sei como eu o conte
A quem não fôr desgraçado!
Não tem grimpas d’altas torres
Que vão-lhe o brilho roubar,
Tem vagas de um mar humilde
Que de perto o vae saudar!
Quem nunca deixou a terra
Para andar sobre estes mares,
Quem do coração faz guerra
Á solidão nos azares,
Não póde achar encantos
Nestes céus, e neste mar,
Não tem vida dentro d’alma,
Não tem alma para amar?
Quem as fadigas da vida
Não nas vem despir sósinho
Sobre as lôbregas torrentes,
No seu dôce murmurinho; —
Não mitiga sobre as aguas
Do seu pranto o acre ardôr,
Não póde esquecer perfidias
Nascidas do desamor!
Quem sobre as ceruleas ondas
Não mira d’olhar bem fito,
Não póde vêr como eu vèjo
A Imagem do Infinito!
Não gosa da formusura
D’aurora no despontar,
Quando vem com meigo orvalho
Estes mares rociar!
No assomo da madrugada,
Ou no findar do seu dia,
Não póde em lyra doirada
Cantar a melancolia;
Porque nos aquosos plainos
Tem o sol outro fulgòr,
Inda mais bello e brilhante
De mais gallas e primôr!
E p’ra o coração singello
D’atro crime nunca heivado,
Tambem tem o mar prazeres,
Tambem é idolatrado; —
Porque d’alma vae scismando,
E sempre, sempre a pensar
Nos amigos que ficaram
Nessas terras d’álem-mar!
Mas eis que ao longe diviso
Entre as vagas susurrando,
Lá na extrema do horisonte,
Sobre o mar sereno e brando —
Os alcantis impinados
Da minha terra natal,
Qu’inda pobre, tem primores
E p’ra mim sem outra igual!
Corre, corre e sem receio
Meu fraco debil madeiro,
Não temas do mar o seio
Que é o elemento primeiro —
Não temas — qu’eis alli terra
Onde nasci — a brilhar —
Em suas aguas d’esmeraldas
Lança o ferro — a repousar!