Ave, Christus!
Deixae, deixae passar o homem forte,
O ungido do Senhor;
Se a cruz que arrasta agora é cruz de morte
Tambem é cruz de amor!
Deixae! na praça o povo agglomerado
Vomita a injuria alli;
E elle, sereno o rosto e resignado,
Olha o céo, e sorri.
Sorri... não fero riso de despreso
Que ao passar pelo labio perde o encanto,
Mas riso que transluz por entre o pranto
Ao que da cruz de amor arrasta o peso.
Sorri... Que mais importa ao homem forte
Ou despreso ou louvor,
Se da estrella seguiu, que foi seu norte,
O magico pallor?
Tem dentro, como em erguida fortaleza,
A fé, voz que lhe vae bradando — «Avante!
É teu premio o opprobrio do ignorante,
De tal morte morrer, tua grandeza! — »
E diz, vendo a consciencia onde serena
Lê a imagem de Deus,
E do futuro vendo a praia amena:
— «Posso subir aos céos!
Posso agora, depondo em terra o peso
Da missão dolorosa d'esta vida,
Buscar a patria minha promettida,
D'onde o divino amor transluz acceso. — »
Ai pode! Heroe, e martyr, deixa a terra,
Que é cumprida a missão:
O Mundo o teu preceito guarda e encerra
Na mente e coração...
Morres tu; mas a idéa que deixaste
Não morre, como a luz em fim do dia,
Nem o fogo do céo que em ti ardia,
Nem o exemplo sublime, que legaste!
Oh, martyr! cada lagrima chovida
N'essa senda de dôr,
Conquista mais um espirito p'ra vida,
Para a luz do Senhor;
E um dia (e talvez cedo venha o dia)
De cada dôr que ahi te curva agora,
Nascerá qual da noite nasce a aurora
Um mundo de verdade e de harmonia!
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Deixae, deixae passar o homem forte,
O ungido do Senhor;
Se a cruz que arrasta agora é cruz de morte,
Tambem é cruz de amor!
S. Miguel, Julho de 1859.