- I
Sentada estava um dia à porta da choupana
A preciosa avó, a velha Mariana.
Muito de coisas velhas velhos se namoram;
Corriam-lhe na mente os tempos que se foram.
Olhava para os matos, matos tão bonitos!
Mirava-se no olhar da meiga Zabelinha...
Então como que ouvia imensidão de gritos,
Sentia estremecer o teto da casinha:
Outrora esta cidade, a bela Fortaleza,
Teve uma indigestão de peste e de pobreza:
Os lindos arrabaldes eram campo enorme
Coberto de barracas de homens seminus,
O brado para — alerta! — um grito de — ai Jesus!, —
Uns panos molambudos eram uniforme,
A carabina Spencer — saco roto e sujo;
Viviam como a besta, ou como o caramujo;
Um monstro o inimigo. Quer Osório imenso,
Pelotas, ou Caxias, ou Napoleão,
Haviam de queimar-lhe adulador incenso:
O estômago vazio, a espada cai no chão.
Foi nesse ingente mar de ondas pestilentas
Que naufragar vieram barcas bolorentas
Chamadas a nobreza do Ceará sertão.
A honra da donzela a níquel de tostão,
Zombando da Moral, da morte nos barrancos,
Mercadejou a raça dos patifes brancos:
Como mercadejou outrora os Africanos
A gente que descansa, a torpe, vil caterva
Que hoje engorda o chão para brotar a erva.
Coitados! Nem sabiam que p'ra nós humanos
Conforme toca o tempo assim o esperto dança,
Mas há de se abaixar co'o prato da Balança!
E basta a digressão, já vejo bom Leitor
— Se é que calças tens; se trajas o corpinho
Permite que te diga — vejo santo Amor
Que me entendeste bem, que os pais do meu Cravinho
De gente boa foram que levou o diabo.
Ao Credo vou agora, ouviste já o Lavabo.
Se acaso o orgulho vem descendo até o filho...
Então, — como em verão se vai do saco o milho
A bárbara invasão do vândalo gorgulho
O saco da família rompe-se de orgulho.
E sempre são uns grãos apodrecidos, ocos,
Não dão um bom cuscus, nem com milhões de cocos.
- II
Não posso admirar-te, oh Natureza,
Pois não sei quem te fez...
Responde tu, maluca, oh Lua desfrutável,
Quem foi que fez a tua morbideza,
O sol, a terra, o cosmos, o insondável:
Seria algum inglês?
Ironia! Ironia! não te metas,
Mete a língua no saco.
Estarás tu girando, oh minha estulta musa?
Não sabes tu que impenetráveis gretas
Possui a criação? Musa obtusa,
Me fazes dar cavaco!
Desculpa, oh bom amigo, tens bom tento.
E tomar o tabaco
É permitido ao padre até na confissão
Interrompendo assim o sacramento.
Por isto não me dés excomunhão
Por pecado tão fraco.
Tomba da nuvem fria a chuva espessa
Dos ventos através;
Brota do chão veloz o rio caudaloso...
Assim — que hei de fazer? — desta cabeça
Brota um mundo de asneiras pavoroso
E eu mando-as pra vocês.
- III
Izabel tinha dez anos.
Dez páginas lindas, belas,
Escritas com mil estrelas
Narrando as cousas singelas,
Singelas dos verdes anos.
Andava de chinelinho,
De saia curta e de chita,
Bocazinha pequetita
E tudo o mais — tão bonita!
Cabia num chinelinho.
As unhas porém compridas,
Os cabelos mal cuidados,
Pés e rosto mal lavados...
As regras dos bons tratados
Nunca ali foram cumpridas.
Izabel era um poema
Escrito em papel de embrulho;
Era um terno e meigo arrulho,
Do rio leve marulho;
Izabel era um poema!
Caíra de cheio a noite.
Mariana ainda estava
Debaixo do pé de fava,
Que a Lua amante beijava
Rasgando o lençol da noite.
Vês, oh filha, aquela estrela
Que a nuvem cobriu agora?
Assim sumiram-se outrora
Aqueles que nesta hora
Nos céus vivem como a estrela.
Assim morreu nosso nome
Sufocado entre as desgraças;
E hoje entre as canalhaças
Ouvimos torpes chalaças,
Somos pobres e sem nome.
Não percamos a semente
Vês ali aquela luz
Que ao pé da rede reluz:
Tu vais ser o meu Jesus
Que planta nova semente.
Vês, oh filha, aquela estrela
Que sumiu-se aos olhos teus?!...
Assim... que digo, meu Deus?!...
Pode a ti, amores meus,
Enuviar-se a estrela!
Vou te levar à comadre,
A santa madrinha tua!
— Oh! Por Deus, dindinha, a Lua
Não passa a noite na rua...
— Vou te levar à comadre!
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As reticências são bem boas pílulas.
Es mais inteligente do que eu,
E portanto entendeste. Ora pílulas!
Toca adiante, Leitor, que aqui vou eu.