Por debaixo do azul sereno, entre a fragancia
Dos mirtos, dos rosaes,
Viviam n'uma doce e n'uma eterna infancia
Nossos primeiros paes.
Seus corpos juvenis, mais alvos do que a lua,
Mais puros que os diamantes,
Conservavam ainda a virgindade nua
Das coisas ignorantes.
Poz Deus n'esse jardim com sua mão astuta
Ao lado da innocencia
A Arvore do Mal que produzia a fructa
Venenosa da sciencia.
E, apezar de conter venenos homicidas
E o germen do pecado,
Era Deus quem comia á noite, ás escondidas,
Esse fructo vedado.
Por isso Jehovah tinha sciencia infinda,
Tinha um poder secreto,
E Adão que não provara os fructos era ainda
Um anjo analfabeto.
Eva colheu um dia o bello fructo impuro,
O fructo da Rasão.
N'esse instante sublime Eva tinha o Futuro
Na palma da sua mão!
O homem, abandonado a submissão covarde,
Viu o fructo e comeu.
Esse fructo é a luz que a Jupiter mais tarde
Roubará Prometheu.
E ao vêr igual a si a estatua que creara,
O homem reprobo e nu,
Jehovah exclamou: «Maldita seja a seara
cuja semente és tu!»
Veio depois a Egreja e repetiu aos crentes
De toda a humanidade:
«Maldito seja sempre o que enterrar os dentes
Nos fructos da Verdade!»
A Egreja permittia esse vedado pomo
Sòmente aos sacerdotes.
Da arvore do mal fugia o mundo, como
Os lobos dos archotes.
Se o sabio que buscava o oiro nas retortas
Ia como um ladrão
Roubar timidamente, á noite, ás horas mortas
Algum fructo do chão,
Tiravam-lhe da boca esse fructo damninho
D'uma maneira suave:
Atando-lhe á garganta uma corda de linho
Suspensa d'uma trave.
Um dia um visionario, alma vertiginosa,
Espirito immortal,
Foi deitar-se, que horror! á sombra temerosa
Da Arvore do Mal.
A Egreja ao vêr aquella intrepida heresia
Lança-lhe excomunhões;
Tomba por terra um fructo... e Newton descobria
A lei das atracções!
Sacudi, sacudi, a arvore maldita,
Que os astros tombarão,
Como se sacudisse a abobada infinita
Deus com a propria mão!
E quando o mundo inteiro emfim houver comido
Até á saciedade
O fructo que lhe estava ha tanto prohibido,
O fructo da Verdade,
Homens, dizei então a Jehovah: «Tirano,
Vai-te embora d'aqui!
Construimos de novo o paraiso humano;
Fizemol-o sem ti.
«Expulsaste do Olimpo a humanidade outr'ora,
Ó despota feroz;
Pois bem, o Olimpo é nosso, e Jehovah, agora
Expulsamos-te nós!