A viagem imperial e o Ventre Livre

A


VIAGEM IMPERIAL


E O


VENTRE LIVRE




RIO DE JANEIRO

Typ. de J. Lobo Vianna.

rua d’Ajuda n. 79.

Nos dias de perigo para a Patria é justo que a voz de todo o cidadão se faça ouvir.

É justo que todos os patriotas concentrem seus esforços, para debellar a causa do mal.

Eis por que nos erguemos dá obscuridade em que temos vivido, para protestar contra a situação desgraçada que atravessamos, situação que covardamente foi preparada pelo itinerante, que procura nas hospedarias de Lisboa, nas firmas dos vultos hespanhoes, e nas synagogas da altiva Albion o restabelecimento completo da virtuosa imperatriz deste imperio. Grave e prenhe de perigos é a actualidade de nossa infeliz Patria.

Quando repousavamos de uma luta desgraçada, que o capricho imperial alimentou durante cinco annos e que terminou por um barbaro assassinato, quando procurava-mos restablecer as forças tão abatidas do nosso thesouro, quando procurava-mos reanimar a nossa lavoura tão prejudicada, eis que surge o designio imperial de fazer uma viagem á Europa.

Era justo que o heroe de Uruguayana, quizesse mostrar-se á velha Europa, elle que acabava de terminar uma luta caprichosa e desgraçada, elle que dera inequivocas provas de um dennodo e bizarria inexcediveis, era justo, diziamos que fosse receber as ovações, as homenagens dos povos de alem mar e ser agraciado com o titulo de presidente honorario do club athletico de Londres.

Mas não era justo, nem bonito impor ao paramento a realisação da idéa mais grave que por ventura se tem ventilado neste paiz e fugir miseravelmente, esquivando-se desta arte a responsabilidade de seu acto, e deixando sua filha a braços com uma crise violenta e grave que pode ainda ter consequências bem funestas.

Querer apparentar sentimentos que não tem, querer passar por abolicionista quando foi o mais encarniçado e até cruel escravagista, para poder de fronte erguida receber as felicitações daquelles a cujas imposições elle servilmente obdeceu, é triste mas está perfeitamente no seu caracter.

Felizmente aquelles, cujas adhesões elle foi buscar, hão de aquilatar devidamente o seu insólito proceder deixando o seu paiz no momento mais critico porque elle passava, nem ao menos lembrando-se daquelle grande republicano, cuja vida acha-se escripta em levra indeleveis nas aureas folhas do livro do futuro, que conservou-se no seu posto honroso e que só delle foi apeado quando a covarde mão do assassino desfechou-lhe o horrível golpe do homicida.

Foi-se, em verdade, depois de ter prestado a este paiz, que lhe dá 3:000:000$000, os mais incalculaveis beneficios.

Foi-se, depois de jesuiticamente recusar estatuas, depois de lançar os alicerces para o grande edificio que tem de dar gratuita instrucção ao povo, depois de ter assaltado os cofres publicos e mandado gastar 2:000:000$000 com o barracão do campo, depois de deixar as fortalezas bem armadas, depois de ter perdoado individuos sentenciados por crime de estupro, moeda falsa etc. etc.; e lá está na Europa alegre e contente, frequentando synagogas, baptisando minas, dando jantares, recebendo titulos e só se lembrando do Brazil ou quando encommenda Codigos ou quando recebe cartas em que o respeitavel independente Marquez do Ventre Livre lhe communica ter encerrado a primeira, segunda ou terceira discussão do monstruoso projecto, apezar dos protestos e das ameaças de alguns deputados e de fazendeiros.

Foi-se, em verdade, mas a responsabilidade toda deve pesar sobre a camara actual, que servilmente votou a licença, esquecendo-se de que lhe assistia o rigoroso dever de dizer ao ministro portador do pedidio. «Dizei a vosso amo que não podemos conceder-lhe a licença solicitada, desde que elle vae submetter a nossa deliberação o projecto sobre o estado servil. Dizei a vosso amo que é indecorosa a sua retirada em uma occasião tão grave para o paiz, que conserve-se no seu posto e que lembre-se do proceder nobre e sublime que em identica questão teve Abraham Lincoln.»

No entretanto o paiz observa com pasmo e até com asco o proceder da camara antes e depois da viagem.

Antes da viagem, era o rei um homem virtuoso, illustradissimo, patriota, o unico capaz de conduzir o Brasil ao gráo de prosperidade a que tem direito; hoje é o homem perigoso, mentecapto, covarde etc., etc.

Antes da viagem zombava-se do partido liberal quando em seu manifesto appellava para a revolução se não viessem as reformes, hoje diz-se ao governo que as gerações de 31 ainda não desapparecerão.

Para que pois esta grita descompassada, estas invectivas infames com, que reciprocamente se mimoseão os homens da ordem? Para que estas censuras atiradas á primeira illustração que possuem?

Acreditamos serem injustas estas manifestações, porque consta-nos terem os deputados fretado um vapor para irem ao bota-fora imperial, adejando uns os lenços e outros enxugando as lagrimas, tantas erão as saudades que elle lhes deixava.

No entretanto cumpre dizer-vos que tendes prestado ao paiz um grande serviço porque ja sois vós, conservadores, que proclamais a existencia incontestavel do governo absoluto nesta terra, e que appellais para as grandes reformas como unico meio de salvação, esquecendo-nos todavia do que com a actual forma de governo nada podereis coseguir.

O povo ja está fatigado de tanto soffrer, elle ja perdeo a fé nos homens e nas cousas mas não se pense que este estado de descrença em que elle cahio é duradouro. Não, porque como bem disse o deputado mineiro, não estão extinctas as tradicções gloriosas que nos legarão nossos maiores, inda não desaparecerão as gerações de 31, 42, 48.

Em um dia, que não está longe, elle conscio de seu direito e de sua força, erguer-se-ha, e então tremei, porque neste dia vereis rollar por terra as corôas, os sceptos e as estatuas.

Mas que não venhãis depois cuspir-lhes em face, oh vós meus concidadãos, não os proclameis de incendiarios communistas, não assesteis vossas baterias contra elle, respeitai sua colera, porque assim respeitais seu direito!

II

Não podemos acompanhar o itinerario imperial. Pouco nos importa saber se as notas tomadas por el-rei no meio do Oceano erão ou não preciosas. Praza aos ceus que de volta s. m. nos offereça em folheto suas impressões de viagem, que devem ser sublimes como seu quarteto de Itú ou como as fallas eloquentes que dirigia aos voluntarios da patria por occasião dos celebres passeios carnavalescos por esta cidade.

Não nos recordamos se o chronista da viagem reffere ter s. m. levado comsigo instrumentos proprios para suas observações astronomicas, porque só assim podiamos explicar o s. m. tomar notas no meio do Oceano.

Deixemo-lo tranquillo e democraticamente entrar no porto de Lisboa, receber as felicitações de milhões de individuos que vinhão contemplar o mais illustrado homem do mundo.

Pouco nos importa com as ovações recebidas em Portugal, talvez feitás não a elle pessoalmente, mas como representante do paiz onde seus compatriotas encontrão o mais feliz agasalḥo. Até aqui tudo é farça e farça ridicula. Ora elle entra em uma hospedaria e elogia as outras que lhe são offerecidas, ora dirige-se ao observatorio e ali examina minuciosamente, mas isto em minutos, todos os instrumentos mostrando ter vastos conhecimentos astronomicos e deixando sua comitiva embasbacada diante de tanta sapiencia.

Eramos então bem felizes, porque s. m. já de nós não se lembrava.

Chegou porém o momento em que elle quiz pôr em relevo a ignorancia supina do infeliz, povo que elle governava,

Encommenda ao Sr. visconde de Seabra o codigo civil que nos deve reger.

Maior affronta, maior insulto não se nos podia atirar em face.

O rei encommendar um codigo civil a um estrangeiro!!! Por ventura não temos nós jurisconsultos da plana dos Nabuco, Teixeira de Freitas, Alencar, Saldanha Marinho e tantos outros capazes de codificar o corpo de legislação civil?

Por ventura, além dos Itaunas, Sapucahys, Cabraes e de toda aquella camarinha ignorante que vos cerca, não ha talentos robustos, intelligencias brilhantes?

O que fizestes, inepto monarcha? Não vistes que assim procedendo davas ao estrangeiro o mais eloquente testemunho do desprezo que votais ao paiz que vos sustenta, e da injustiça com que julgais os homens que hão de illustrar o Vosso reinado?

Ha aspereza em nossa phrase, como quereis que classifique vosso acto? Oh! musa da indignação inspirai-nos para que possamos severamente profligar tão grande affronta feita a um povo nobre e altivo!

Prosegui na vossa viagem de descredito e de honra, atravessae os Pyrimeus, ide a Espanha, e perguntae pella vossa irmã Isabel; ide a Paris e perguntae pelo vosso primo Napoleão. Abi tremi, os echos das Tullierias parecem ainda repercutir o ultimo grito do miscravel de Sedan. Escutae o palpitar do coração desse povo de heroes, interrogae-o sobre a causa da ruina e da deshopra da sua Patria e elle vos apontará a Inglaterra.

Ide a este paiz, procurai o ex-imperador dos francezes, perguntai a sua opinião sobre o governo pessoal, e tomai com elle informações bem circumstaciadas do que vale um throno e uma coroa.

Continuae a vossa viagem, entrai na synagoga em Upper-Berkeley-Street e recebei a benção especial dos judeos, discuti com Osborne, Berge, Coward, mostrae a essas nullidades de quanto é capaz vosso pungante talento, mas, por Deus esquecei-vos de nós, porque no momento em que vos lembrais deste paiz é sempre para amesquinhal-o.

Confundi a esses sabios da Europa, mostrai que as sciencias inda estão muito atrazadas, que fostes a Europa fazer a luz, que acabastes de descobrir a quadratura do circulo, mas tende compaixão de nós concervando-vos ahi para sempre.

Mandar buscar para juncto de vós a regencia quê aqui deixastes, mandae buscar vossa immensa bibliotheca, vossos fardões, vossas commendas, vossos lacaios e deixai-los aqui tranquilos, porque dizemol-o francamente, não precisamos de vós.

Aos lavradores algumas palavras

São justas as vossas manifestações de desagrado pelo projecto do ventre livre.

Idéa mais imfeliz não se podia conceber em relação a este assumpto. No entretanto consenti que vos digamos com aquella franqueza que-nos é peculiar, que não podemos applaudir o procedimento de alguns de vós que querem a todo o transe manter a escravidão.

Não, os principios de religião, de humanidade e de progresso se oppõem a tão cruel dezejo.

Ha e havia necessidade de acabar e com semelhante crime.

Tendes o santo direito de reagir contra este ou aquelle meio mas não de attacardes a idéa capital.

É verdade que o governo ou antes vosso rei não vos preparou para receberdes tão incalculaveis prejuizos, nem ao menos vos ouvio a vós que talvez sois os mais competentes para fallar sobre tal assumpto.

A emancipação tem de se, dar em maior ou menor tempo, pois bem mostrae ao vosso rei que não precisaes de seus conselhos. Tratai no mais breve prazo possivel de ver se conseguis a libertação dos nossos escravos e assim mostrareis ao mundo que ao jesuitico e forçado sentimento de humanidade de vosso rei respondestes com a mais sublime pbilantropia e abnegação.

Tereis dado assim uma prove exhuberante da vossa independencia e tereis ao mesmo tempo concorrido para o progresso de vossa patria.

A recompensa de vosso acto recebereis por certo do Todo Poderoso que vos compensará concedendo-vos a maior somma de prosperidades.

Americano