Agora, que deixei para lá, na plebéia rua, a filáucia e a mordacidadezinha do inqualificável cretino; agora, que consigo sacudir-me à vontade da poeira da frivolidade dos caminhos; que já estou, afinal, longe dos perturbadores, vampíricos contactos execrandos, posso, talvez, fechando-me nos meus secretos isolamentos, nas minhas solenes abstrações, concentrando-me, afinal, penetrar serenamente no Além, debruçar-me transfigurado no Mistério.
Sinto mesmo que o Mistério chama-me, ele chama-me, atravessa-me com os seus sutis e poderosos filtros.
Dilui-se na atmosfera do meu ser uma luz doce, dolente, meiga tristeza de leves nuanças violáceas que deve ser melancolia...
Acendem-se e ficam crepitando, ardendo, todos os altos círios sagrados da velada capela da minh'alma, onde o meu passado e morto Amor, como o Santíssimo Sacramento, está exposto.
Lâmpada por lâmpada vai também se acendendo o langue, untuoso luar das lâmpadas, como nas azuladas e cintilantes arcarias da Via-Láctea estrela por estrela.
E, neste tom do Angelus da minh'alma, nesta surdina vesperal, começam as litanias vagas, as preces desoladas por Aparições que só a vara mágica da contrita saudade e da espiritualidade pura sabe fazer desencantar e ressurgir nimbadas de transfulgentes lágrimas e luzes...
Sinto-me afinado por uma música de luar e lírios, por uma eterificação de beijos celestes.
E, a meu pesar, sai da minha boca, como de uma cova do esquecimento, este doloroso, ansioso clamor:
— ó mármore impenetrável do Sepulcro! palpita! canta! abre-te em veias! E que por essas veias corra e estue a caudal infinita do sangue leonino e virgem das grandes forças criadoras da Beleza! Ó mármore misérrimo! ó matéria missérrima! Escuta-me, ouve-me, sente-me! Sensibiliza-te, espiritualiza-te, vibratibiliza-te...