- Depois de amanhã, sim, só depois de amanhã...
- Levarei amanhã a pensar em depois de amanhã,
- E assim será possível; mas hoje não...
- Não, hoje nada; hoje não posso.
- A persistência confusa da minha subjetividade objetiva,
- O sono da minha vida real, intercalado,
- O cansaço antecipado e infinito,
- Um cansaço de mundos para apanhar um elétrico...
- Esta espécie de alma...
- Só depois de amanhã...
- Hoje quero preparar-me,
- Quero preparar-rne para pensar amanhã no dia seguinte...
- Ele é que é decisivo.
- Tenho já o plano traçado; mas não, hoje não traço planos...
- Amanhã é o dia dos planos.
- Amanhã sentar-me-ei à secretária para conquistar o rnundo;
- Mas só conquistarei o mundo depois de amanhã...
- Tenho vontade de chorar,
- Tenho vontade de chorar muito de repente, de dentro...
- Não, não queiram saber mais nada, é segredo, não digo.
- Só depois de amanhã...
- Quando era criança o circo de domingo divertia-rne toda a semana.
- Hoje só me diverte o circo de domingo de toda a semana da minha infância...
- Depois de amanhã serei outro,
- A minha vida triunfar-se-á,
- Todas as minhas qualidades reais de inteligente, lido e prático
- Serão convocadas por um edital...
- Mas por um edital de amanhã...
- Hoje quero dormir, redigirei amanhã...
- Por hoje, qual é o espetáculo que me repetiria a infância?
- Mesmo para eu comprar os bilhetes amanhã,
- Que depois de amanhã é que está bem o espetáculo...
- Antes, não...
- Depois de amanhã terei a pose pública que amanhã estudarei.
- Depois de amanhã serei finalmente o que hoje não posso nunca ser.
- Só depois de amanhã...
- Tenho sono como o frio de um cão vadio.
- Tenho muito sono.
- Amanhã te direi as palavras, ou depois de amanhã...
- Sim, talvez só depois de amanhã...
- O porvir...
- Sim, o porvir...