Mote
Ai Senhor, quem alcançara
um bem tão alto, e divino,
que de meus ais o contino
a tais ouvidos chegara!
1Ai meu Deus, quem merecera
trazer-vos tão dentro d'alma,
que abrasado em viva calma
do vosso amor falecera!
Ai Senhor, quem padecera
por vós, e só vos amara!
ai quem por vós desprezara
tanta enganosa ruína,
e vossa graça divina
Ai Senhor, quem alcançara.
2Ai quem fora tão ditoso,
que soubera bem amar-vos,
e na ação de conquistar-vos
rejeitara o mais custoso!
quem, Senhor, tão sequioso
todo amante, e todo fino
elevara o seu destino
a beber da fonte clara,
que desta sorte lograra,
Um bem tão alto, e divino.
3Quem disposto a padecer
por vós buscara os retiros.
onde com ais, e suspiros
soubera por vós morrer!
quem sabendo comprender
desse vosso amor o fino
se elevara peregrino
por um amor de tal porte,
que me dera a melhor sorte,
Que de meus ais o contino!
4Só então fora feliz,
e fora então venturoso,
se conhecera ditoso,
que meus suspiros ouvis:
se minha dor admitis,
ditoso então me chamara;
oh se de uma dor tão rara
ouvísseis um só gernido,
e se um ai enternecido
A tais ouvidos chegara!