Além do crime: o Caso Tiago

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Policiais podem ser heróis editar

Cascavel (PR) - “(...) e foi-lhe isso imputado como justiça (...) o homem é justificado pelas obras e não somente pela fé” (Tiago, o profeta)

Quando criança, via os policiais como heróis. Meu tios maternos Adelino e Dornelles, da Polícia Militar, resgataram turistas americanos após despencar com seu pequeno avião na Serra do Mar e foram notícia mundial. Meu pai, Celso Formighieri Sperança, era escrivão policial no Primeiro Distrito da capital, de onde saiu para o jornalismo.

Aí veio o golpe de 1964. Diariamente os “heróis” policiais caçavam Celso, acusado de “subversão da ordem”. O sujeito mais pacífico do mundo! Começaram a me assaltar suspeitas de que havia policiais do “bem” e policiais do “mal”.

Mais recentemente, após a redemocratização do país, foram policiais militares, a quem considero irmãos, que socorreram minha mãe em seus momentos de agonia final. Aí os policiais voltam a ser heróis, caçando traficantes, socorrendo flagelados, fazendo partos e até ameaçando de prisão por omissão de socorro burocráticos atendentes de hospital.

Mas para mil notícias de heroísmo policial vêm algumas mostrando larápios travestidos de policiais que sujam enormemente a imagem dos heróis da nossa comunidade.

Há livros que são como que uma carícia, caso de Flor e Cimento, de Jeanne Hanauer. Mas há outros que são um soco no estômago. Um livro perturbador, Hienas & Crocodilos – Caso Deputado Tiago Novaes, do jornalista Walter Zimermann, enquadra-se certamente nesse último caso e traz mais ou menos essa idéia sobre a polícia: há na máquina do Estado excelentes elementos, que trabalham com honestidade, mas há gente manchando o serviço público e semeando a desilusão e a revolta entre os cidadãos, contribuintes e vítimas dos maus agentes do Estado.

Estamos precisando de mais conforto e mais heroísmo. E isso só se consegue valorizando o homem e seus direitos.

Livro de impacto - Zimermann expõe as hienas, que a gargalhar se alimentam de cadáveres, e os crocodilos, que choram lágrimas falsas, aproveitando-se da situação para promoção pessoal e de sua correntes nas corporações. Fica bem claro que o Caso Tiago foi apenas uma batalha menor de uma guerra maior entre facções rivais enrustidas no aparelho do Estado.

O deputado-radialista não era exatamente uma flor, estando mais para o cimento. Ele inclusive tripudiava sobre os direitos humanos - o que é sempre desumano -, e por isso houve quem festejasse sua morte brutal. Mas, objetivamente o caso não é esse: o pior é a sensação de impunidade que ainda persiste entre a população. Nada há que estimule mais o crime que tal sensação. E Tiago, embora os odiasse, também tinha direitos humanos.

Fica também muito claro que não basta enfocar apenas o assassinato do parlamentar em si. É bastante provável que o assassino já tenha experimentado um certo tipo de justiça que normalmente acompanha os crimes brutais dessa espécie, na forma de vingança ou colheita da erva daninha que plantou.

O que Zimermann demonstra é justamente a necessidade de fazer com que os esquemas criminosos dentro do poder, cujas engrenagens e ações conduzem à locupletação e até à violência do assassinato, sejam desmontados pela ação da própria polícia  através de sua Corregedoria, aplicação de mecanismos de auto-vigilância e valorização dos bons profissionais , assim como pela ação conclusiva do Ministério Público e da Justiça.

Zimermann faz um apanhado jornalístico perfeito e detalhado, sem nos deixar respirar, alinhando as informações com muita contundência, expondo as entranhas desse caso assustador. Pois não há nada mais assustador que a impunidade para crimes cruéis como esse.

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(Publicado no jornal O Paraná, janeiro de 2006)