Coluna Sem Prestes

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Alceu A. Sperança

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Cascavel (PR) - Certamente o Brasil precisa se qualificar perante a ONU e mostrar ao mundo que pode ser um grande interlocutor nas questões mundiais mais candentes da atualidade, e só por isso se justificaria nossa participação na caótica realidade haitiana. Mas gostaria de destacar duas ações internacionais desenvolvidas por países diferentes no estrangeiro e tecer algumas ligeiras comparações. A primeira é a mencionada participação do Brasil no Haiti, no comando da missão especial da ONU. A missão é bem conhecida pelos brasileiros, especialmente depois do estranho suicídio do general Urano Bacellar.

Num rápido resumo, o Haiti dissolveu o Exército para tentar evitar golpes de Estado, mas a barra continuou pesada e em 2004 o país mais rico invadiu o país mais pobre das Américas e a missão da ONU que se organizou para controlar o Haiti até sua normalização - que está muito difícil, mesmo após as recentes eleições - tem um comando militar brasileiro. Com exceção de algum eventual jogo de futebol e de uma apoteótica visita de Lula àquela pobre nação, ornadas por declarações bombásticas do presidente e do deputado Gabeira, quando os brasileiros deixarem o Haiti dificilmente terão deixado uma contribuição realmente importante para a elevação das condições de vida da população.

Um outro exemplo de ação de apoio de um país no exterior é o de Cuba no atendimento educacional ao povo Maori, na Nova Zelândia, inclusive através da alfabetização de adultos. Essa observação procede da 7ª Conferência de Educação dos Povos Indígenas, realizada recentemente na cidade de Hamilton, na Ilha Grande, em Nova Zelândia, com a participação de três mil representantes dos povos de 25 países. O encontro destacou o trabalho dos seis especialistas cubanos que assessoram a campanha de alfabetização de adultos entre os Maoris neozelandeses. Um dos pontos altos do programa é seu efeito multiplicador: os novos alfabetizados estão sendo abastecidos com livros e manuais para levar o conhecimento obtido através dos educadores cubanos a mais pessoas de seu povo.

Sim, eu posso!

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O programa desenvolvido ente os Maoris é uma versão inglesa (Greenhouse Light) do programa cubano “Sim, Eu Posso!”. Os jornalistas que fizeram a cobertura da Conferência de Educação dos Povos Indígenas se surpreenderam com a presença cubana tão longe do ensolarado paraíso caribenho, numa região próxima da Antártica, ao Sul da Nova Zelândia, onde pouca gente costuma ir ajudar a alguém. Hoje, Cuba, através do Instituto Pedagógico Latino-americano e do Caribe (IPLAC) e a neozelandesa Universidade de Te Wananga completam dois anos de desenvolvimento desse programa de alfabetização, envolvendo 22 regiões do país, ensinando não somente os neozelandeses Maoris, mas também neozelandeses europeus, ilhéus do Pacifico e até hindus.

É interessante como um país pobre como Cuba, asfixiado pelo inimigo mais terrível e poderoso do mundo, que ocupa parte do território ilhéu para estabelecer a monstruosa (e emblemática) prisão de Guantânamo, não espalha mais soldados armados pelo mundo, mas médicos, oftalmologistas e professores. Dentro de mais algum tempo veremos qual revolução dará mais certo: se a das armas, onde ela está ocorrendo com a ocupação de países e a domesticação forçada de seus povos, ou a da saúde e da educação, que vem sendo os grandes exemplos de Cuba na atualidade.

Temos gente parecidíssima com os Maoris. Somos um povo, segundo Milton Nascimento, igualzinho ao cubano, necessidades semelhantes e muita pobreza a vencer. Alguma coisa acontece no coração do planeta e também precisa acontecer entre as avenidas Brasil, Ipiranga e São João deste país. Afinal, o Haiti também é aqui.

(Publicado no jornal O Paraná, fevereiro de 2006)