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Excelentíssima Senhora Dona Carolina Michaêlis de Vasconcelos e minha idolatrada amiga:



A si toda a minha alma, a si todo o meu respeito idólatra, a si toda a minha devota admiração pelo muito que lhe devo e pelo que de mim fez a luz do seu espirito e a ternura sublime do seu coração que bemdigo e bemdirei eternamente. E no fervoroso exprimir da minha alma grata e comovida, não me cega a auréola luminosa de que a cérca a fanatica admiração do meu reconhecimento subjugado pela irradiação da sua tão subtil quanto infinita bondade.

Esclarece-me apenas a luz da verdade.

Aquece-me sómente a chama de um imenso amor humanitario que se ateou no meu coração cultivado pelo seu desvelado carinho. Por isso lh'o devolvo condensado na idolatria com que a diviniso e venero. Justa idolatria que se não confunde com nenhum interesse convencional por ser uma expressão bem cristalina de justiça. Idolatria que é um dever, um sentimento reconhecido florindo da haste mirrada do meu desalento antigo transformado pelas suas mãos em rebento florido de fé e esperanças novas e ideaes.

Eu as venero essas mãos de inspirada que sustiveram á beira do abysmo em que se precipitam os torturados, a caminheira da desdita esmorecida de desconforto n'uma vida de penas que era a morte, e avançando através da espessa neblina de sombras, de duvidas, de penas e de nostalgias.

Bemdigo, hoje e sempre, esse gesto, que amparou as mãos que se lhe estenderam, impulsionadas pela força misteriosa do instinto, e certas de encontrar consolo e refugio no seu nobre coração.

E, invocando o Ideal Sagrado da bondade, a minha alma se curva em devoção suprema e eterna perante a grandeza de espirito e de sentimento, que envolve a sua fisionomia de um nimbo de atraente e inconfundível sedução espiritual. Por isso, lhe ofereço, nas flores silvestres da minha Arte, mais humana do que estetica, este produto das reflexões que muito lhe devem, pois que, sem a lei da atracçào que faz a comunhão dos espíritos, talvez eu não me tivesse animado a realizar este e outros trabalhos sociais. Embora filhos da minha obstinação doutrinaria e da espontaneidade dos meus impulsos de apostolado, eles ficariam sem execução, se não tivesse a certeza de sentir a meu lado a força da sua força, o calor amoravel da sua amoravel dedicação e do seu altíssimo entendimento. Cabe-lhe, pois, um lugar de honra na honra de aceitação que, por ventura, este meu trabalho mereça ao ilustre Corpo Docente da Universidade e á briosa Academia, entre a qual se conta uma legião de admiradores do seu raro valor moral e intelectual, tão apreciado e venerado por discípulos e colegas.

Por dever lhe consagro a parte espiritual d’este trabalho, que divido em tres expressões: espiritual, sentimental e moral.

A si lhe pertence a primeira, visto que tanta força moral e inspiração orientadora me tem vindo do seu privilegiado espirito baptisado de luz n’esse sempre grande Paiz que a lei dos inevitáveis fenomenos sociaes anarquizou para que de um ultimo arranco de guerra surja um bemdito e luminoso clarão de Paz fecunda e perdurável. Esse Paiz do progresso e do trabalho, onde, embora exista, como em todas as nações, o instinto barbaro e selvagem que se revela feroz na embriaguez da guerra e no delírio desumano e impetuoso da defesa, jámais deixará de ser um centro de intelectualidade mundial que burilou de saber e de refulgencia creadora os génios de Goethe, de Schiller, de Wagner, de Kant.

Por isso me cumpre fazer justiça integra, exacta, imparcial, ao seu espirito e á sua alma de imensa e subtil magnanimidade como outra se me não depararou ainda na terra inculta do meu amado Paiz, tanta vez cego nas suas inconscientes e fanaticas revoltas, esquecido do mal que a si proprio prepara a dentro dos seus muros em perigo de ruina total.

Com a consciência liberta e destemida, acompanho pois d’estas expressões expontâneas, sentidas e justas, o ofertorio de expressão espiritual da minha obra modesta, dedicando a parte sentimental ao filho do meu seio a quem se prendem as raizes da minha alma maternal. E a parte moral á simpatica academia coimbrã, acompanhada dos meus votos afectivos pela libertadora e positiva felicidade dos seus destinos.

Dar-me-hei por bem retribuida do arduo labor a que me consagro, a despeito de hostilidades e embaraços que dificultam o meu esforço e retardam o seu efeito, se fôr comprehendida a minha intenção. Dispendendo inergias fisicas e morais superiores ás que possuo, e creando-me dificuldades que revertem em prejuizo economico, animei-me a vir lançar uma iniciativa de urgente educação moral n'este grande ceutro Universatario onde a organização do ensino intelectual abstrae talvez um pouco do genero de aperfeiçoamento moral relacionado com os assuntos que me serviram de tese. Oxalá seja desdobrada a minha iniciativa por espiritos de maior envergadura de que o meu, e mais scientificamente preparados.

E, embora muitos entendimentos eivados de pessimismo e retraídos por escassez de ardor inicial contestem o efeito da educação por meio da Conferencia, eu insisto, porque assim m'o indica a experiencia, em acreditar que esse meio exerce sempre eficacia sobre um maior ou menor numero de caracteres. Se não é imediata a consequencia, a verdade é que fica germinando a semente que mais tarde amadurecerá o fruto e o multiplicará. E se entre uma multidão hostil e rebelde alguns poucos espiritos assimilarem o principio e a ideia, esses, por si sós, valerão por todos os adversarios e disporão os elementos para a obra da regeneração.

Já Schopenheuar dizia que se entre um milhão de individuos um só adoptasse uma doutrina elevada, esse teria o valor de todos os que a renegavam por incomprehensão. Baseada n'esta teoria fica sempre firme a minha fé. Que jámais me falte a ampara-la, a força que devo ao seu carinho e inteligencia. E nunca esmorecerá no meu animo atormentado, o ardor necessario para o combate dos grandes ideaes.